“... Estava em uma região pantanosa e úmida, em uma cidade perto de São Paulo. Lá, ao lado de um lago, cercado por árvores de copas densas e troncos enormes, ficava o teatro de arquitetura inglesa, no qual as peças da cidade eram interpretadas.
Fora convidado para fazer uma ponta em uma peça, pois faltavam atores suficientes para ela e eu dispunha de algum tipo de amizade com um dos diretores.
A peça era uma versão macabra para um dos contos de Machado de Assis, interpretada em um palco parco, com pouca luz mas uma platéia que enchia o salão. Uma platéia silenciosa e de rostos inalterados.
Não havia coxias, ao lado do palco havia uma porta que dava para os bastidores. O camarim nada mais era do que um pequeno quarto úmido, com cadeiras jogadas e cheio de teias de aranha, com uma pequena porta para o banheiro, também de proporções ínfimas com uma fraca luz que vinha da velha lâmpada, pendurada somente pelo fio de eletricidade.
Eu interpretava um juiz velho, que fazia às vezes de advogado, ao tentar persuadir o júri e os espectadores do teatro, sobre a sentença de um demônio que estava no teatro. Eu não conhecia o texto e não interpretei bem em minha primeira noite. Fiz o mesmo papel por três noites. Sempre era noite e o teatro inglês, em seu interior, assumia características de uma velha igreja.
Não sei dizer se estava no século XVIII ou XIX, mas os cavalheiros possuíam cartolas e as damas, longos vestidos. Era sempre a mesma platéia a assistir a apresentação macabra, como se eles não saíssem de suas cadeiras e ficassem lá até o próximo espetáculo.
Na terceira noite de minha atuação, o demônio preso à parede do teatro inglês tomou vida no momento em que estava fazendo sua defesa, em uma atuação bem melhor do que a do meu début, fazendo com que a maioria os espectadores e atores fugissem tomados pelo pavor.
Fui para a porta do teatro, junto com outro ator que me apontava um terceiro que clamava por mais atores, pois a peça tinha que ter um fim. Do lago via surgir figuras completamente estranhas, humanóides. Seus corpos eram marrons como terra, usavam roupas feitas de metal que lembravam partes de armaduras e tinham asas. O velho ator do meu lado me explicava que eram elementais de água e apontava para as árvores de onde saiam da escuridão pessoas mortas, em diferentes estados de decomposição, vestindo mantos brancos, andando lentamente, alguns se arrastando, enquanto o terceiro ator dava graças por ter sido ouvido. Os novos atores que iriam compor o fim da peça estavam presentes.
Dentro do teatro o demônio revirava cadeiras, tomado pela cólera. Estava inconformado por ser um demônio e sua fúria parecia residir no fato de desconhecer motivos para sua existência. Eu, já dentro do teatro, mas não mais trajando a barba falsa, mirava o olhar para o demônio, a fim de aproveitar a pouca luminosidade que entrava pelas enormes janelas do casarão inglês, para poder vê-lo melhor.
O demônio era só um homem...”