sexta-feira, março 16, 2012

O menino ou Pedaços de guardanapo


Continuo a escrever em pedaços de guardanapo. Fiquei sabendo que meu pai fazia o mesmo. Não sabia.
Meus guardanapos são das mesas de café, não dos bares como os seus. Não sou boêmio.
Tenho um pouco da alma e da vontade de transgressão boêmia. Não sou boêmio. Não como ele.
Vejo as pessoas presas no elevador panorâmico atrás de mim. Peixes num aquário, animais em exposição. Somos todos.
Escrevo em pedaços de guardanapo que numero com pequenos algarismos para delimitar as páginas.
Café e pão de queijo. Faço um calço com três saches de açúcar e ponho embaixo da mesa. Posso escrever enfim.
Que sou menino. Dizem. “Esse menino”. Dizem menino quando me apresento um homem. Falam do entusiasmo de quem começa quanto trago os calos de quem vem percorrendo longo caminho.
Olho no espelho e vejo a barba por fazer, algumas olheiras. Vejo o homem. É como se homem fosse o fato consumado, que definição engessada de si mesmo se chamasse homem. Sou um homem por fazer.
Futebol, cerveja, mecânica, matemática desculpem. Nada contra, mas estou mais a música, as contas, os cafés e a literatura.
Se sou menino, o sou quando me permito ser, quando o brincar de desenhar e escrever se traveste nas coisas sérias do cotidiano.
Mas que mentira. O menino me escapa. Ao homem escapa o menino, como se fosse mais treloso agora, depois de velho, do que quando era realmente menino.
Isso que me escapa ao escrever em pedaços de guardanapo à surpresa de saber que meu pai fazia o mesmo.
Sou um homem diferente dele. Gosto do homem que me tornei. Homenino em si mesmo.
Com letras e rabiscos nos pedaços de guardanapo da cafeteria. 
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