Continuo a
escrever em pedaços de guardanapo. Fiquei sabendo que meu pai fazia o mesmo. Não
sabia.
Meus
guardanapos são das mesas de café, não dos bares como os seus. Não sou boêmio.
Tenho um pouco
da alma e da vontade de transgressão boêmia. Não sou boêmio. Não como ele.
Vejo as
pessoas presas no elevador panorâmico atrás de mim. Peixes num aquário, animais
em exposição. Somos
todos.
Escrevo em
pedaços de guardanapo que numero com pequenos algarismos para delimitar as páginas.
Café e pão de
queijo. Faço um calço com três saches de açúcar e ponho embaixo da mesa. Posso escrever
enfim.
Que sou
menino. Dizem. “Esse menino”. Dizem menino quando me apresento um homem. Falam
do entusiasmo de quem começa quanto trago os calos de quem vem percorrendo
longo caminho.
Olho no
espelho e vejo a barba por fazer, algumas olheiras. Vejo o homem. É como se
homem fosse o fato consumado, que definição engessada de si mesmo se chamasse
homem. Sou um homem por fazer.
Futebol,
cerveja, mecânica, matemática desculpem. Nada contra, mas estou mais a música,
as contas, os cafés e a literatura.
Se sou menino,
o sou quando me permito ser, quando o brincar de desenhar e escrever se
traveste nas coisas sérias do cotidiano.
Mas que
mentira. O menino me escapa. Ao homem escapa o menino, como se fosse mais
treloso agora, depois de velho, do que quando era realmente menino.
Isso que me
escapa ao escrever em pedaços de guardanapo à surpresa de saber que meu pai
fazia o mesmo.
Sou um homem
diferente dele. Gosto do homem que me tornei. Homenino em si mesmo.
Com letras e
rabiscos nos pedaços de guardanapo da cafeteria.