Hoje venho falar de Rapsódia em Agosto, filme de Akira Kurosawa, que assisti recentemente...
Como todos os outros filmes de Kurosawa esse se tornou outro clássico pra mim, não somente pela bela produção, mas pelo quanto pude ver de mim nele...
O filme, lançado em 1991, se passa no Hiroshima 45 anos após a queda da bomba que silenciou o mundo em guerra.
Trata-se, na verdade do choque de culturas e valores que perpassam o horror e os rumos tomados pelos que sobreviveram, onde 4 netos encontram no olhar de uma velha senhora a dor e a força de sobreviver ao horror da guerra e como a vinda de um sobrinho americano vem mexer com velhos fantasmas escondidos nas almas de cada um...
Assistir o filme com certeza mexeu com meus fantasmas... Também fui sobrevivente de uma bomba nuclear que me fez calar e que ainda me faz sofrer seus efeitos... vejo-me em uma concha de retalhos costurada a esmo, entre passados, presentes e futuros... em minha própria pele se costuram as linhas que traçam o meu caminho pra casa... Meus fantasmas me visitam com freqüência, e já não possuo mais a sabedoria da velha senhora em saber lidar com eles. Essa sabedoria eu nunca tive.
Às vezes acordo desesperado e me pego em minutos a fio olhando para o nada de madrugada...
No fim, talvez eu faça como a velha ao ver a tempestade se alastrar, saia correndo com o guarda-chuva de volta pra Hiroshima para tentar resgatar o passado perdido, o passado morto, seguido de longe pelo meu futuro ingênuo e meu presente corrupto e ávido por redenção.
A alma sempre tende a impulsionar os ossos fracos contra os fortes ventos da vida.
Nos sonhos tenho sonhado sonhos estranhos... Sonhei que escrevia sobre um sonho em que eu era um garoto, que teve muitas perdas e que passou diversos anos aprendendo a lidar com as perdas... Havia uma casa velha com sombras profundas e um pinheiro, que abrigava ninhos vazios e conversava comigo nas noites frias de brisas quentes que secam cabelos e que contam histórias distantes em meu ouvido de outras épocas... Sonhei que acordava e escrevia, pois sabia que iria acordar novamente do sonho em que escrevo e acabaria escrevendo sobre o sonho em que escrevo... Onde eu me escrevo? Onde o mundo que sou eu se inscreve? Uma vez encontrei o rei Tritão e ele me deu o mesmo conselho que deu a garotinha que ouvia o barulho do mar pela velha concha... qual era mesmo o conselho? Com certeza está em algum livro de minha infância, que de vez em quando surge e se esvai rapidamente... Tenho medo de mar. Gosto mais de céu, como uma folha sem raízes me falou um dia. Mas tenho medo de altura. Sou uma chapeuzinho amarelo de Ziraldo.. Ser regido por Vênus e ter Oxum como orixá não facilita as coisas, muito menos para um signo de ar como o meu... Não havia reparado como o feminino se emprega em mim, como às vezes é dolorosa a sensibilidade... Não que isso me torne um homem ordinário, mas me faz pensar o quanto as mulheres tem tido peso na minha vida. Minhas maiores revelações foram mulheres, em todos os campos de revelações que se possa pensar. Poesia, sensibilidade, sexo, amor, fotografias, música, vida, lições, conselhos... nossa! Deus abençoe as mulheres (se ele existir). Um obrigado a todas as mulheres de minha vida...
Na minha trilha de jovem adulto recém formado em busca de emprego, especialização ou qualquer coisa que o valha, voltei a velha universidade federal, bela em sua decadência, com alunos excêntricos em suas roupas e leituras... Caminhando pelo imenso campus verde e quente, em uma tarde igualmente quente de ar seco, lendo um panfleto com as disciplinas da grade de mestrado que pretendo cursar como aluno ouvinte até a seleção, eu me lembrava de épocas remotas, de minha pré-história... Me lembrei de quando o mundo era apenas composto por gases e calor, me lembrei de surgir inorgânico ainda, antes da vida, antes da matéria que se configurava em carne que se corta, que chora, que defeca o inorgânico. Me lembrei também de sair da água e respirar pela primeira vez com pulmões... Antes das tecnologias frias com as quais escrevo e publico isso, me recordei das tecnologias que surgiam para dar suporte ao meu corpo, um corpo orgânico que troca gazes, queima, alimenta, que quebra moléculas, que sorri as vezes... a química dos sorrisos sempre foi complicada pra mim, assim como a batalha das palavras em busca de sentido nessa entropia que se chama vida. Leio para me complicar mais, e escrevo só pra depois ver que tornei as coisas mais turvas. Escrevo repetidas vezes sem sentido, pra tentar chegar sempre ao núcleo da coisa, mas o máximo que consigo é contorná-la, bem avia me avisado Clarisse. Na verdade circundo o que quero dizer porque tenho medo, mas não um medo medo, mas um medo meio medo. Sobre a metafísica do medo poderia escrever um tratado, principalmente sobre os diferentes tipos de medos e sintomatologias, suas cores e sabores. Meu medo é acre e levemente ferroso, e tem cor de sorvete de peixe com telefone. Agora sinto um quente e gostoso em meu peito, um calor tão gostoso quanto estar apaixonado, tão gostoso quanto o leve travar da garganta que precede o choro silencioso. Estou sempre em mudanças, agora já não sinto mais o calor do peito e sim o gelado de meus dedos ao pressionar as teclas do computador da faculdade, em meio a outras pessoas que ignoram o que escrevo, e que visualizam as telas mal iluminadas dos monitores, cada um em órbita de seu próprio universo de problemas, amores ou alienações. Quem sabe? Eu sei que agora estou escutando Pink Floyd no disckman que meu irmão me emprestou, sentindo um arrepio me correr a espinha ao escutar a melodia de The Great Gig in the Sky. Eu sei que estou cansado, e sei que apenas comecei a ter dias de verdade. Só não sei como terminar de escrever, e de repente não sei como vim parar nessa pergunta, pois sempre se termina de escrever chegando ao ponto em questão, ou fugindo dele, ou deixando ele implícito para que se deduza, ou raramente quando morremos e deixamos por escrever. Eu não acho muito polido terminar se questionando porque e como se terminar algo que de repente perdeu o sentido de ser. De repente é como eu estivesse falando sobre a vida, e esta só termina quando tem de terminar, não se sabe quando isso acontecerá, essa é a vantagem, mas com textos é diferente, há porque começar e porque terminar, e momentaneamente tenho medo de não parar mais de escrever, prolongando o temido e desejado ponto final com vírgulas e reticências. Não há porque de escrever, não há porque de ser, apenas há. E há esse texto que já não é mais meu, nem seu, não á mais nós e eles, não há mais privado, só público. Vou voltar pra casa e preparar minha comida com meu chapéu de cozinheiro, deixando emoções em fogo brando, pois é o fogo que alimenta as emoções, mais tarde fumar um único cigarro e esquecer que parei por quase uma hora, ouvido repetidas vezes o dark side of the moon, enquanto tentava escrever sobre... sobre o quê? Acho que sobre algo entre nós, nós que não somos eu e você, nem eles. Penso que talvez, como os mais piegas costumam usar como mote único para si, fale de amor. Amor que não passa de uma das bordas que recobrem o núcleo da coisa. Vou procurar sorrir mais.
Trilha Sonora (sim a partir de hoje voltou, e agora com som de verdade): Pink Floyd: The Great Gig in the Sky
Ultimamente tenho me visto bem... Tenho me visto pouco, é verdade, mas tenho me reconhecido mais... Na verdade, me reconheço mais a medida que leio mais... a medida que leio coisas mais diferentes de mim que acabam por me mostrar mais do que penso ser... Tenho lido um livro que contém as cartas trocadas por três irmãs durante alguns anos... tenho tido vontade de escrever cartas também.... mas pra quem? Hoje, com as mensagens instantâneas, a poesia das epístolas se foi, e por um momento vejo que alguns e-mails que travo com pessoas queridas que moram longe tendem a assumir esse aspecto mais das cartas, ao mesmo tempo que se mantém a quilômetros de distância... Estou me vendo melhor de longe... Talvez eu escreva uma carta para mim, e me mande um retrato para nos aproximar-mos mais.. quem sabe?
P.S.: Segue a foto que tanto pediu, espero a retribuição, ok?
Esse Carnaval passei longe de onde vivo, em um lugar onde o Carnaval quase não chega... Um lugar de boas lembranças e com um tom triste de fim de tarde, com o sol a se por no mar e a estrada às minhas costas, escutando Cazuza no Discman do meu irmão e cantarolando sem vergonha de desafinar...
E para dar um gostinho trago 3 presenças desses carnaval letra-música-vídeo... (tente vê-los ao mesmo tempo)
Um trem para as estrelas
São 7 horas da manhã Vejo Cristo da janela O sol já apagou sua luz E o povo lá embaixo espera Nas filas dos pontos de ônibus Procurando aonde ir São todos seus cicerones Correm pra não desistir Dos seus salários de fome É a esperança que eles tem Neste filme como extras Todos querem se dar bem
Num trem pras estrelas Depois dos navios negreiros Outras correntezas
Estranho o teu Cristo, Rio Que olha tão longe, além Com os braços sempre abertos Mas sem protejer ninguém Eu vou forrar as paredes Do meu quarto de miséria Com manchetes de jornal Pra ver que não é nada sério Eu vou dar o meu desprezo Pra você que me ensinou Que a tristeza é uma maneira Da gente se salvar depois
Num trem pras estrelas Depois dos navios negreiros Outras correntezas