sexta-feira, janeiro 08, 2010

Caminhada



Vídeo: Arquivo Pessoal


Volto correndo da chuva. O allstar vermelho já enrustido por causa da lama tem muita história pra contar, não tenho mais idade pra usar allstar, não tenho mais a idade que sinto ter.

Corro mais rápido, logo estarei mais molhado pelo suor do que pela chuva quando parar em um lugar seco, a meia encharcada, o pé enrugado.

A chuva cai no asfalto quente e deixa a rua abafada, não sei o que é pior, a chuva grossa na minha cabeça ou o abafado que vem do asfalto que teima em não resfriar.

A barra da calça já era, a umidade só não chega aos joelhos porque tenho as pernas longas, enormes, sou um gigante dando passos de um metro correndo da chuva.

A gola do casaco verde musgo levantada, os cabelos molhados caídos na testa e um delta no início da testa de onde parte as linhas d’água que escorrem pelo rosto, sinto o gosto da água da chuva.

Tenho vontade cantar como Gene Kelly, mas mal consigo respirar, o ritmo já não é mais o mesmo, estou tão atrasado como o coelho de Alice. Sinfonias de carros na rua e da minha cabeça não saem viagens de avião, congressos, amigos e a coleção de Proust que ganhei de minha sogra.

Não importa mais não vou chegar na hora. Volto caminhando alguns metros até o café pelo qual passei, espero que me deixem entrar assim. Quase bato a cabeça no sino que fica preso à porta.

- Um expresso grande, por favor, ah e o jornal de hoje, obrigado. Fujo do ar-condicionado e sento-me à janela do café. Lá está o mundo em movimento, nem presto atenção mais ao jornal.

Tomo um gole do café forte e deixo a fumaça que sai dele levar as angústias do coração.


4 comentários:

Luana Andrade disse...

Foi como se eu pudesse ouvir a respiração alterada ou os passos abafados nas poças de uma rua qualquer.
DW, você distintamente capta a surrealidade de seus momentos e ainda pescrita a minha alma a emoção sentida(ou um turbilhão delas). A sensibilidade é perturbadora. Estas linhas foram impressionantes, impregnadas do vapor da chuva, úmidas, eloquentes. A propósito, Proust é um dos autores prediletos, descritivos e intensos. Abraços meu amigo.

Juh S. disse...

Sentia falta de suas postagens!
Primeiramente, all star é muito bom!
E eu assim como a Lu pude imaginar toda a sua trajetoria, com as passadas e imaginando a cena 360 graus.
COntinue postando, apesar do calor!

Eduardo disse...

@Lu e Ju: Obrigado pelas lindas palavras, fazia tempo que não me vinha um texto como esse, na verdade já faz algum tempo que não me vem texto nenhum na cabeça =]
Fico feliz por saber que vcs compartilharam dessas linhas e sentiram literalmente o texto, eu meio que estava sentindo a vivência dele quando escrevia. Me desculpem pela ausência.

Abraços as duas

Em busca do outro lado do Abismo! disse...

Às vezes, me identifico tanto com teus post´s melancólicos... gosto muito. Bjs!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Quem procura...