domingo, abril 03, 2011

O caderno

Salvador Dali - Cisnes refletindo elefantes (óleo sobre tela)

Tinha, ele, a estranha mania de anotar os sonhos, desde que lera um velho livro de anotações dos sonhos de Kafka. Nas noites que não conseguia dormir, ia à velha prateleira de livros para a noite e tirava a antiga agenda de couro que recebera de presente a alguns aniversários atrás.

Algumas vezes se surpreendia com o que lia. Lia-se, desvendando as entrelinhas dos trechos de sonhos, muitas vezes escritos minutos antes de acordar, aos garranchos.

Folheava as páginas aleatoriamente aos bocejos:


“2 de abril

... estávamos todos reunidos na casa do Carioca: Martew, Vydah, Chan, Horus, Carioca, Rie, Dante e eu. Casa velha. Estávamos escondidos a fazer uma reunião secreta. Janelas fechadas e faróis acesos fora da casa. Uma TV a cabo ligada....

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7 de novembro

Havia uma epidemia de uma bactéria mortal, as pessoas moravam em cidadelas. Eu fazia parte de uma equipe de pesquisadores que podiam sair da proteção dos muros, usando roupas contra radiação.

Saíamos ao meio dia, junto com duas outras equipes diferentes, uma delas usava uma roupa contra radiação de cor marrom, diferente das nossas amarelas, e estavam armados.

Montanhas ao longe, tudo esta deserto, árido. Sol forte e poucas nuvens.

Não sei o que fazia lá...

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5 de outubro

Estava na casa do meu avô, era criança novamente. Das grades de sua casa olhava, tremendo de medo, para o homem de chapéu de couro que sentava em baixo da mangueira, perto da mesinha de carpintaria do meu avô.

Era daqueles fins-de-tarde que deixava o ambiente em dourado, a calma da tarde era aparente. Ele estava rodeado de crianças, como se estivesse a contar uma história para elas. O medo crescia em mim, sabia que havia algo de mau nele.

As crianças a escutarem atentas esse estranho homem de roupas simples e chapéu de couro. Não lembro de ver seu rosto, mas sabia que seus olhos eram negros.

A última recordação do sonho é a de estar segurando as grades da varanda que davam para a enorme mangueira, tremendo de medo.

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15 de junho (cochilo no sofá)

Andava em um carro conversível vermelho na auto-estrada. Óculos escuros, cabelos para trás ao vento. Outros de roupas brancas junto a mim.

Do alto da auto-estrada um deles aponta para um muro gigantesco que cercava todo um bairro. Ele fala da história do muro para impedir que o perigo viesse...

A cena é cortada em seguida para uma igreja. Não estou mais no carro nem acompanhado. A igreja fica em cima de um píer, a 50 passos do mar. Igreja barroca. Tiro os sapatos e sento no píer, refrescando os pés na água. É de manha cedo, faz sol, mas não sinto calor...”


Folheava e folheava o caderno. Encontrava a si nas tramas e trechos entrecortados de seus sonhos. Às vezes um outro de si. Logo estava dormindo ao mormaço da noite.

4 comentários:

Antes Prefiro disse...

escrever raras vezes não é um exercício metafórico, muito do que somos ecoa no que escrevemos.

Eduardo disse...

Ecoa mesmo. A escrita é a fala do que está ausente

Nothing disse...

E existe um lugar seguro pra essa escrita? lugar esse que mais tarde não se rebelará contra você seja lá por qual fonte...

Eduardo disse...

Realmente somos vítimas de nossas próprias produções. Até porque quando colocamos no papel (ou na tela do pc) elas se tornam algo para além de nós.
É como dar corpo, peso, cor, a algo que está para além da descrição.

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