Era sobre a história de seus passados que ele pesquisava na biblioteca municipal. Lá havia uma sessão só sobre as famílias que criaram o povoado quando das construções das enormes usinas.
Esperava encontrar um livro que falasse dele mesmo, da sensação que lhe assobiava aos ouvidos durante as tardes. As mesmas tardes áridas e quentes dos últimos dois anos que assolavam as prateleiras de livros empoeirados que o velho ventilador se encarregava de espalhar. Tinha encontrado um livro sem capa escondido em uma das prateleiras afastadas. Era escrito a mão, bastante velho. Trazia historias do folclore e das superstições da população ribeirinha, datada da época da colonização de sua terra.
Fora escrito para ele. Suas palavras dirigiam-se para ele, como se para alertar do perigo de saber. Saber, naquela cidade, era se arriscar demais, era por em riscos os segredos e as proteções de gerações antes dele. O velho livro era um sobrevivente da inquisição da vila, que não ficara louco ou desacreditado no passar das décadas.
Dentre todos os tratados da cidade, de sua fundação as relações genealógicas de seus moradores em quinze gerações ou mais, foi justamente um livro de superstições que poderia lhe dar um pouco do que procurava: o mito de si-mesmo.
Nem fora percebido ao passar pelo balcão de atendimento da biblioteca ao final daquela tarde de outubro, com o livro por baixo do casaco. Fora visto por muito poucos andando apressado e visivelmente excitado em direção ao antigo bairro dos operários ao cair da noite.
Havia tanto a saber sobre si mesmo.
Um comentário:
... tanto a saber sobre si mesmo...
lindo. Lula.
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