Passeio
pelas ruas do Leblon e olho de longe a movimentação e o barulho de carne
gritando dos dois lados, entre bombas dos dois lados, me afastando quando o
cheiro do gás começa a chegar. Então começo a lembrar.
Eu
cai e estendi os braços, aos quais foram retribuídos por outros braços em um
abraço, e fechei os olhos sentindo o cheiro de lavanda e de mãe. E dormi como
quem dorme cansado em braços quentes depois de se machucar. Chove e fumo o
último cigarro da carteira, olhando a fumaça assumindo diversas formas levadas
pelo vento lateral e húmido.
Quando
garoto, sonhei com aquela menina da 5ª série, que estava de vestido branco e
abria a porta do armário da sala de sua casa e me chamava para entrar junto com
ela. Mas ela estava morta, eu mesmo tinha ido ao velório na sua casa e vi os chumaços
de algodão em seu nariz e, de repente, me peguei pensado como devia ser difícil
respirar com eles.
Ouço
um barulho mais perto de bombas e gritos. Então eu penso no Haiti, rezo pelo
Haiti. No chão um panfleto xerocado com a foto de um homem negro, mulato, me
olhando fixamente. Uma frase perguntando onde ele estava. Tento olhar a cor da
minha pele na pouca iluminação.
Eu
não sei onde estou agora. Estou andando por ruas de paralelepípedos molhados com
rastros de bondes, passando pelos sobrados abandonados de Pernambuco. Está chovendo,
mas eu não estou com frio. Chove e eu estou suando. Estou com sede.
Ando
com sede, olhando as cores do caminito,
sem dar muita atenção, na verdade, pra quem quer que esteja nas casas e lojas. Me
fodendo pra quantos pesos trocados eu
ainda tenho nos bolsos. Sinto-me um Caim de
Saramago, andando com um pedaço de papel entre os dedos pensando no Haiti,
rezando pelo Haiti.
Olho
ao redor e as pessoas têm os olhos do Amarildo, todas elas. Até quando fecho os
meus próprios. Olho a cor da minha pele em tons de preto e branco xerocado e
sujo. Eu ainda não sei onde estou. Não moro em meu próprio corpo. Não nos sobra
muito mais que nada no final.