Buda viveu na minha rua.
Ao meio dia sentava aos pés de uma árvore que ficava na pracinha do
bairro.
Ele nunca pedia nada. Sentado à sombra sorria para quem passasse por
perto: criança, velho ou cachorro. Quando garoto, observar aquele
senhor foi meu primeiro experimento antropológico.
Como poderia ser tão diferente dos outros humanos. Parecia sentir
fome mas não pedia. Comia o que lhe era posto.
Sumia de tempos em tempos, voltava com um pouco mais de carne nos
ossos e sentava lá. Atendendo aos apelos de mamãe não chegava
perto dele, apenas observava. Deixei um chocolate uma única vez, ele
não disse nada pra mim e, para meu alívio, nem pra minha mãe.
Talvez não gostasse de chocolate.
Procurava no almanaque, que ficava no escritório de papai,
explicação para minhas mais imaginativas suposições sobre aquele
senhor da árvore. Vi um desenho de um homem de olhos puxados,
gordinho. Dizia que antes ele era bem magrinho e que, depois de ter
sentado por muito tempo embaixo de uma árvore, ficou com as orelhas
caídas, gordinho e brilhava como o sol.
Esse Buda era diferente. Suas orelhas eram pequenas e estava longe de
ser o gordinho da gravura.
Não o encontrei mais quando voltei de umas férias na casa de meus
avós. A praça estava limpa, como se ele nunca tivesse existido.
Meus pais não se lembravam quando enfim perguntei pelo senhor
sentado à sombra da árvore da praça. Os meses que se seguiram não
o vi mais.
Fiquei pensando se, enfim, não teria engordado e suas orelhas teriam
arriado, mas não encontrei com ninguém assim pela rua. Mas,
naqueles anos de minha infância, o sol nunca brilhara tão forte.
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