Volto a pé, estou sempre voltando, em busca de abrigo do vento e da garoa
que cai fina.
Bem mais velho do que quando comecei, fios brancos na barba cerrada,
sempre acima do peso, já com dores nas articulações de cartilagens gastas.
Sempre tive fios brancos em meus cabelos, desde pequeno, que ostentava
com um orgulho secreto, como se fossem a concretude de um amadurecimento que eu
tinha certeza possuir, mas que nunca me chegou em sua totalidade.
Ainda escuto as mesmas músicas do Joy Division em meus fones, pegando os
fins-de-tarde, ignorando algum eclipse furtivo, com a cabeça cheia de
preocupações e medos que estão além de mim. Os horrores e as violências, a
fome, o país que se endereça para o obscurantismo em minha frente. Nazismo à brasileira.
Pessoas que se acham brancas e oprimidas.
Toca where is my mind? e Disorder, na sequência. Sinto vontade
de ascender um cigarro, tateio os bolsos inconscientemente. Parei de fumar há
meses. Ordens do médico. Fumar parece o menor
dos males de hoje.
A trilha sonora dos dias de hoje é um post punk sem fim. O que,
talvez, não seja de todo mal.
Apresso meus passos, sentindo meus joelhos crepitarem, sinto o vento que
bate em meu rosto, passando pelos cabelos, com mechas grisalhas bastante
visíveis, amarrado em um coque displicente. Estou voltando pra ela.
Voltar é bom. Para esse abrigo, do vento e da garoa, que são seus lábios.
Desço a rua, passando pelas pessoas que andam com seus cães, desviando
das poças d’água e cantarolando... Shifting crimson veil/
Silken hips slide/ Under my hand/ Swollen lips whisper my name/
And I yearn/ You take me in your arms/ And start to burn/ F.I.R.E.I.N.C.A.I.R.O
....
O vento traz o leve frio do início da noite. Estou voltando.