quinta-feira, outubro 15, 2009

O dia




Se por vezes demoro a escrever, talvez seja porque o tempo agora me flui em direções diferentes, dobrando a uma vontade que independe da minha. O dia bem poderia ter sido hoje, ou ontem, ou a mais de uma semana, como o fora.
O dia em que pude compartilhar com queridos amigos um quarto do século de uma história que continua a se transformar perenemente. Uma história de dias e mais dias, de histórias de tardes quentes, noites frias, de todas as estações do ano.
Do velho casarão underground que íamos para ouvir músicas dos anos 80 e dançar até a noite clarear, do velho bar demolido, para onde íamos quando o bairro da cidade velha não oferecia mais nada além da rosa dos ventos, que marcava o marco zero da cidade, no píer de frente para os arrecifes de onde surgia o sol, não tenho lembranças melhores do que as que tenho com as pessoas que compartilharam desses momentos.
Minha tendência a me afastar e me aproximar varia tanto quanto meu expandir e meu retrair para o mundo, tentando em vão encontrar os amigos que se desgarraram e dos quais me desgarrei nos dias de acontecimentos durante os anos de dias que passavam despercebidos enquanto vivíamos, cada um, nossas vidas.
Atrapalhado em dar conta dos amigos distantes, dos próximos, de tentar traduzir o último e-mail de uma amiga distante e respondê-lo a altura, da minha amiga libriana que mora distante e cujos textos, que não mais escreve, me lembravam Clarice Lispector, da garotinha dos olhos verdes que começa a ter seu primeiro dentinho, do senhor e da senhora que me acolheram, dos parentes espalhados pelo país, da minha família que se estrutura dia após dia, do meu irmão mais novo que caminha sozinhos seus dias, em meio às contas de água, luz, cartões, a cama que quebrou, as planilhas de orçamento, a faxina da semana que vem, aos livros espalhados pela casa e os pratos do almoço que ficaram na pia para o outro dia.

E ainda estou lá a dançar com Carol’s, Pel e Nicolas, enquanto meu irmão está sentado no bar dormindo e uma amiga da faculdade aproveita o vento frio das ruas estreitas do velho bairro com seu namorado.

E ainda estou aqui, tomando meu café forte, pausando em cada palavra, pausando em cada dia, dobrando o espaço entre os dias, onde presente, passado e futuro são uma coisa só.

Trilha sonora:
Suedhead - Morrissey (cover by Tempestade)

5 comentários:

Luana Andrade disse...

E esta duplicidade de sensações que me ocasiona descrevendo seu conflito remoto X a pouco, que faz com eu seja invadida por uma nostalgia cálida. É tão agradável DW! Eu lhe apresento compreensão da distorção do tempo. Suas pausas são magníficas meu amigo.
Descontínuas e intrigantes.
Abraços.
Lu

P.S.: Adicionei-lhe no twitter, verifique. :*

Eduardo disse...

Muito obrigado Lu. Fico feliz com seus comentários, sempre há algo neles que adiciona ao texto, ou a minha própria compreensão do texto.

Aceitei vc no Twitter e lhe adicionei também.

Bjão

Vivianne Mello disse...

Tentei comentar há uns dias atrás... mas este "raio" desta "janelinha" não abriu... rs. Desta vez, na verdade, não vou comentar o texto, embora seja excelente como todos os outros... mesmo quando expressa não estar inspirado. Hoje o comentário é sobre esse espaço... o Tarde quentes de outono... todas as vezes q o visito sinto-me confortável... o ambiente é bem aconchegante... me remete realmente a uma tarde de outono... quando tudo o que queremos é um local agradável... e talvez um chocolate quente... rs. E desde a primeira visita tem sido assim...

Vivianne Mello disse...

Ah... gostaria de agradecer imensamente pelos comentários em meu humilde espaço e também pela expressão de sua visão dos textos... é bacana direcionar os olhares para ângulos distintos e perceber que nem tudo é oq ue parece ser. Obrigada e volte sempre!

Eduardo disse...

Ah Viviane, fico feliz com os elogios. Acho que no final das contas é assim que quero que esse espaço se torne: familiar, aconchegante.
É um espaço importante pra mim a muito tempo, e fico feliz de poder compartilha-lo com todos.

As tardes quentes de outono não são só minhas afinal.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Quem procura...