Os cafés, para mim, sempre foram as ante-salas, as salas de espera para os encontros comigo mesmo.
O outro do espelho escreve pequenas anotações no guardanapo de papel. Penso que ele deva estar a escrever algo mais interessante. Ele realmente precisa cortar aqueles cabelos e fazer a barba.
Tento ler minha sorte na xícara vazia de café, nada que vá além das contas para pagar e das pequenas grandes descobertas que desnudam a realidade da qual não me apercebo.
Ele escreve sem parar, quase que em transe, quase que rasgando os guardanapos, de tão rápido que escreve.
Olho para o espelho e o vejo concentrado, escrevendo como se não precisa-se parar para pensar no que escreve, juntando palavras, pontuações, vírgulas e mais vírgulas, sem precisar fazer sentido, como se o próprio ato de escrever fosse substituto para o curso do seu pensamento agora vazio.
Já eu, em minha observação, me prendia entre o cheiro dos croissants e dos cafés, e as pessoas que transitavam entre as pequenas mesas de duas cadeiras que enchiam o pequeno espaço.
Cheiro de azeite. Eu quase me perco o sentir o gosto trazido pelo cheiro. Me perco olhando o vazio, imaginando cidades de azeite, com árvores-oliveiras, rios oleosos, entre o verde-oliva, e o cheiro.
E de repente estou novamente no café, escrevendo a terceira folha de guardanapo. Olho para o espelho e vejo-me a me olhar escrevendo sem parar, como se houvesse um delay tão enorme na reflexão da luz do espelho, que o fizesse um anteparo entre presente e passado. E já não sei se sou o presente, a recomeçar o escrever de onde parei no espelho, ou o ato atrasado da imagem refletida anteriormente na superfície polida ao meu lado.
Junto as folhas espalhadas pela mesa e as guardo numeradas dentro de um livro da Anne Rice, que uso como suporte para escrever, na esperança de que fiquem esticadas e não rasguem.
Tiro umas moedas do bolso e pago meu café. Olho a pequena mesa ao sair, ao lado do espelho que corta uma ponta a outra da parede que é uma mistura de tons de creme, e o vejo sentado a me encarar. Barba por fazer, cabelos rebeldes.
Em sua mesa, muito mais papéis espalhados dos que levo numerados em meu livro. Em seu olhar nenhum sinal de que vá embora tão cedo.