domingo, fevereiro 12, 2012

A Baba Yaga do Bairro Velho – do arco “personagens efêmeros do Recife Antigo”



Diziam que ela havia chegado junto com os holandeses. Era mais uma das estranhas a desembarcarem no porto da nova colônia holandesa. Russa, com certeza.
Provavelmente desembarcou pela noite, trazendo apenas um almofariz e uma vassoura de palha, ninguém falava com ela, mas comentavam de como uma mulher idosa como ela havia sobrevivido à viagem de navio.
De certo que ela sobreviveu e se adaptou aos primeiros anos na cidade Maurícea, devido à tolerância religiosa, onde já falava com forte sotaque. Pouco se sabe o que lhe aconteceu nos séculos que seguiram após a insurreição e a guerra dos mascates, mas sabe-se que sobreviveu.
Sua fama não era, e ainda é pouco, conhecida desse lado do oceano. Deixou para trás uma casa vedada por ossos, alicerçada sobre pés-de-galinha, de certo apodrecida e levada pelos séculos. Ela sobreviveu, as mudanças. Ela, seu pilão e sua vassoura. Acompanhou as mudanças dos séculos, as construções das pontes, os aterramentos, migrando de bairro em bairro. Usava o pilão não mais para voar, mas para bater paçocas de carne seca e a base das tapiocas.
Há quem diga que já a viu no Alto da Sé, mas é pouco provável, ela gostava mais do porto e raramente foi muito longe das pontes que levam ao marco zero.
Terminou seus dias vagando de casarão em casarão antigo a observar a decadência do Recife Antigo, quase sem falar mais seu idioma materno. Já não lembrava mais as palavras mágicas em Russo, e as ervas que usavam nas poções não se encontravam por aqui. Ficara louca, ela, que era uma das figuras mais poderosas do imaginário de suas terras, não lembrava mais o que a trouxera para esta terra quente, úmida, cheia de mangues e mosquitos.
Os últimos anos de sua estadia foram atestados por drogados e prostitutas que desapareciam pelos casarões. Ainda no fim do século passado fora vista uma única vez na lua cheia rindo dentro do almofariz voando pelas ruelas e apagando seus rastros com a vassoura de palha.
Se bem perguntarem sobre uma velha estranha com um pilão, provavelmente muitos não saberão dizer. O bairro está mais vazio a cada década, uma diáspora iniciada no século passado. Todos levados pelos bondes que não mais circulam.

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