domingo, julho 08, 2012

O Enforcado e o Cupido



Texto: Luis Magalhães
Ilustração: Tempestade 

Encontrava-se o enforcado mal, enlouquecera - dizia a si mesmo, mas nunca fora ele possuidor de cabeça ao menos em posição normal. Naquele dia como a maioria dos outros, os deuses não tinham muito tempo a perder, preferiam se ocupar de suas próprias vaidades. Sentado com sua harpa em uma nuvem qualquer, o Cupido conseguiu sentir os lamurios silenciosos do enforcado em seu sofrimento, e decidiu que podia dar uma descida. E por que não consolar esse de mundo virado para o ar?

O enforcado vislumbrava o nada, seu olhar perdido indicava que alí já não mais existia uma alma inteira, era um resto, um fragmento de esperança duramente machucado.

-Olá! O que te rouba o sorriso pelo dia, que te apaga o brilho dos seus olhos, e te afasta de todo o mundo? Pareces tão mal, disse o Cupido desfocado, entendendo que ali não era o seu lugar.

-Oi. Oh Cupido, se outrora eu me encontrava na eminência do apertar da corda, hoje já me voga no falso desejo que ela contorça a vida e leve minha dor, antes
sentir a corda a me ameaçar, do que o infortúnio que me fizeste sentir.

-Ô, é de amor que sofres?

Surge nos olhos do enforcado um brilhar fraco como do fim de uma vela que nos seus últimos segundos ilumina todo um quarto. Com voz firme e compenetrado, ele responde: - Sofro da perda, da falta, da fome, da companhia, da voz, do sorriso, do cheiro, do sabor, de sonhar, do ter que, do não ter que, do esperar, de não esperar, de saber, e do não querer. Sofro pela entrega.
  
-Oh enforcado, amar é sofrer, se não te entregas, não podes amar. E se sabes que não sabes amar deverias tirar o verde, antes que ele cresça em espinhos. Raros são os rios que já nascem fortes, eles se transformam pelas águas que recebem. Não procures tirar a fumaça do fogo enquanto a madeira ainda estala. Apegues-te à eterna esperança que, mais cedo ou mais tarde, tudo dê certo, que depois da tempestade vem a calmaria.

- Não sou o louco para blasfemar acusando-te de não conhecedor do amor, amigo Cupido. Mas nenhuma coisa que queiramos que dure pode começar pensando quando vai quebrar. Não se pode separar o explendor das rosas azuis dos seus espinhos, os rios não precisam ser fortes para destruirem campos quando inudam, e muitos rios não diferentes de córregos formam grandes lagos belos e tranquilos. Não ousarei tocar no fogo neste momento que ele consome, o tempo é de esfriar, mas não procuro calmaria.  Tenho a certeza de que antes ter amado e sonhado com o possível sem fim, do que nunca ter vivido o que vivi. No fim, nenhum amor morre, só nos torna mais amados e a outra pessoa mais amada, transformamo-nos em pessoas melhores quando podemos dividir um pouco do que só existe em cada um de nós.

O Cupido encantado:
- Se quando saí de minha nuvem com coração apertado tinha escondido a minha dor de um trabalho mal feito, tu me ensinas que amar é muito mais do que ser amado, é um estado de ignorância de tudo o que não é. É o poder de renascer com a alegria de ter vivido e aprender que o mundo é provado como nossa alma pode provar. Da tua pureza, não posso e não vou-te acalmar o espirito, vou te dar apenas a certeza, que sempre hás de amar.

Luís Magalhães (24 de junho de 2012.) - Direitos reservados.
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Um texto que adorei ilustrar, do meu grande amigo Lulu!

domingo, julho 01, 2012

Depois da Chuva – do arco "Breves histórias de assassinatos e coisas obscuras"


Ele fumava o cigarro, suas mãos tremiam. Olhando para elas se deu conta do quão velho estava. À suas costas estantes e prateleiras abarrotadas de livros nos mais diversos idiomas.Dava mais um trago e se perguntava do que adiantava o conhecimento que tinha: saber ler em três idiomas; confrontar as visões de mundo de Schopenhauer e Nietzsche; saber se, para Camus, responder se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, não são tão fundamentais quanto responder a questão do suicídio.Um velho inteligente. Solitário, como a maioria das pessoas que são muito inteligentes. Sabia que não passaria daquela noite. Saboreou o cigarro como um último pedido. Só lhe tinham sobrado os livros, tinha gastado tudo na última empreitada, em um trabalho que aceitara quase de graça.Cobrava caro pelos seus serviços, era um garoto quando começou a aceitar assassinatos por encomenda. De boa família, culto, enfim, acima de qualquer suspeita. Matava políticos. Tinha uma foto emoldurada na sala em que apertava a mão de Vargas. Acima de qualquer suspeita.Seu último serviço o havia comprometido, sabia que subiam as escadas do seu prédio até a cobertura. Seu último serviço, sabia. O fizera da forma mais deliciosamente bárbara e profana, do que jamais fizera em todo os seus anos de trabalho.Fumava seu cigarro e aguardava ansioso pela sua aposentadoria que subia a paços largos pela escadaria do prédio.Porta arrombada e um tiro seco, silenciador. O corpo do velho em sua poltrona de leitura. Depois da chuva.
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