domingo, julho 01, 2012

Depois da Chuva – do arco "Breves histórias de assassinatos e coisas obscuras"


Ele fumava o cigarro, suas mãos tremiam. Olhando para elas se deu conta do quão velho estava. À suas costas estantes e prateleiras abarrotadas de livros nos mais diversos idiomas.Dava mais um trago e se perguntava do que adiantava o conhecimento que tinha: saber ler em três idiomas; confrontar as visões de mundo de Schopenhauer e Nietzsche; saber se, para Camus, responder se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, não são tão fundamentais quanto responder a questão do suicídio.Um velho inteligente. Solitário, como a maioria das pessoas que são muito inteligentes. Sabia que não passaria daquela noite. Saboreou o cigarro como um último pedido. Só lhe tinham sobrado os livros, tinha gastado tudo na última empreitada, em um trabalho que aceitara quase de graça.Cobrava caro pelos seus serviços, era um garoto quando começou a aceitar assassinatos por encomenda. De boa família, culto, enfim, acima de qualquer suspeita. Matava políticos. Tinha uma foto emoldurada na sala em que apertava a mão de Vargas. Acima de qualquer suspeita.Seu último serviço o havia comprometido, sabia que subiam as escadas do seu prédio até a cobertura. Seu último serviço, sabia. O fizera da forma mais deliciosamente bárbara e profana, do que jamais fizera em todo os seus anos de trabalho.Fumava seu cigarro e aguardava ansioso pela sua aposentadoria que subia a paços largos pela escadaria do prédio.Porta arrombada e um tiro seco, silenciador. O corpo do velho em sua poltrona de leitura. Depois da chuva.

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