sábado, novembro 30, 2013

As grades - do arco "Contos Inacabados"




Pegou a camisa amarela e vestiu. Foi trabalhar. Beijou a mulher e os filhos. Era mentira.
Disse que  iria  voltar, cansado mas feliz, para eles. Era mentira.
Tomou mais um gole antes de dizer que na sexta-feira quitava a pendura da semana passada. Era mentira.
Sentou a mendigar e contou que os pássaros haviam quebrado sua cama, tomando sua casa e fazendo dela um ninho pra eles. Que, por causa desse acontecido, havia ido para a Índia meditar e que voltou para trabalhar na construção de uma cidadezinha no interior do estado, porque pagavam bem e ele era forte como um halterofilista de circo.
E disse que esse foi o seu fim, consumido pelo trabalho e  por aquele vilarejo  que sugava a alma dos forasteiros para alimentar a população.
Era mentira.
Ele já estava internado naquele manicômio a décadas. Enorme, barbudo e com fios grisalhos a despontarem nas têmporas. Das janelas  gradeadas, olhava os outros a passarem no corredor, com gritos ecoando, perdido na realidade.
E depois , cansado, deitava no colchão coberto por uma lona plástica  dormia. Dormia como quem acorda para os sonhos e ficava com aquela sensação de que havia sonhado algo, que não lembrava.
E decidia tocar a vida, porque havia muito trabalho pela frente.

quinta-feira, novembro 28, 2013

Chegada – do arco “contos inacabados”




Ele era alto, lembrava um halterofilista de circo de beira de estrada. Forte e barbudo, sem músculos bem definidos.
Tinha acabado de chegar naquela cidadezinha quente, perdida em um interior do Brasil, com pessoas desconfiadas, que murmuravam a chegada do gigante bem-nutrido ao vilarejo, que não era uma cidade propriamente.
Ficara hospedado em um quarto que estava disposto em cima da loja de conveniências do posto de gasolina, ao lado da rodoviária.
O calor lhe lembrava da Índia, onde estivera anos antes. Era novo ainda, apesar  dos fios brancos nas têmporas e alguns a despontarem da barba.
Conseguiu trabalho fácil em uma construção, nas usinas da cidade, e rezava para ficar amigo de alguém, porque não aguentava  mais falar sozinho, seu próprio nome baixinho, no escuro do quarto.

segunda-feira, novembro 25, 2013

Os pássaros – do arco “contos inacabados”





Havia sonhado com pássaros. Havia sonhado com grades e pessoas também.
De repente, acordava sozinho no meio da noite e andava pelos quartos do apartamento, sem medo, e passava poucos instantes  a olhar a rua, de madrugada, antes de voltara dormir.
E antes de dormir dizia o seu próprio nome baixinho para a noite.
Havia sonhado com os pássaros, por ter medo deles. E lhes disseram que não temesse, pois iam de comer os cupins que faziam moradia em sua cama...
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