sábado, novembro 30, 2013

As grades - do arco "Contos Inacabados"




Pegou a camisa amarela e vestiu. Foi trabalhar. Beijou a mulher e os filhos. Era mentira.
Disse que  iria  voltar, cansado mas feliz, para eles. Era mentira.
Tomou mais um gole antes de dizer que na sexta-feira quitava a pendura da semana passada. Era mentira.
Sentou a mendigar e contou que os pássaros haviam quebrado sua cama, tomando sua casa e fazendo dela um ninho pra eles. Que, por causa desse acontecido, havia ido para a Índia meditar e que voltou para trabalhar na construção de uma cidadezinha no interior do estado, porque pagavam bem e ele era forte como um halterofilista de circo.
E disse que esse foi o seu fim, consumido pelo trabalho e  por aquele vilarejo  que sugava a alma dos forasteiros para alimentar a população.
Era mentira.
Ele já estava internado naquele manicômio a décadas. Enorme, barbudo e com fios grisalhos a despontarem nas têmporas. Das janelas  gradeadas, olhava os outros a passarem no corredor, com gritos ecoando, perdido na realidade.
E depois , cansado, deitava no colchão coberto por uma lona plástica  dormia. Dormia como quem acorda para os sonhos e ficava com aquela sensação de que havia sonhado algo, que não lembrava.
E decidia tocar a vida, porque havia muito trabalho pela frente.

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