sexta-feira, janeiro 17, 2014

Horses in my Dream

 P.J. Harvey

Volto por aquela rua escura que vai dar em meu apartamento.
Estou sozinho e levo em uma sacola a comida japonesa que comprei pra jantar.  Está tão quente essa noite.
Caminho cansado, por estar preocupado, por um instante me dar conta que a fome assola bem perto, pelos assassinatos e pela maldade que ronda os entornos de todos os lugares, por saber do garoto que foi morto por gostar de outros garotos, pelos esquecidos dos discursos políticos.
E eu caminho só, me perguntando a diferença que eu poderia fazer, sem poder. Eu caminho em silencio e rezo, mesmo sem acreditar em Deus. Rezo porque tenho medo, de não me importar mais. Escuto Horses in my Dreams e continuo com medo.
Medo de tudo aquilo que mostra a vida de forma agressiva, como os cavalos de que tenho medo. Por si só, respirando, o coração batendo forte e os olhos negros, como que ferisse só por estar vivo.

“Horses in my dreams
Like waves, like the sea
They pull out of here
They pull, they are free”

Sinto o suor ensopando minha barba cheia, pesada, pela rua escura, carregando meu jantar em uma sacola. Como está quente!
Estou velho em com medo. De tudo que é importante e femero.
Porque a música acaba e meus pensamentos somem, junto comigo na escuridão da rua.

sábado, janeiro 11, 2014

A língua secreta dos pássaros



Corro da chuva, pisando nas poças que se formam na calçada. Estou voltando pra casa.
Escuto pássaros, nas árvores que margeiam a avenida de poucos prédios. Estou sozinho na rua.
O tênis molhado, a meia úmida e o coração apertado. Você deveria ficar comigo e aprender a língua secreta dos pássaros.
O dia ainda estava cinza na manhã de sábado e eu estava só, correndo da chuva, com os livros de Rousseau que você me emprestou.
Lembrei-me daquelas histórias que você me contava, sobre as lendas e assombrações do livro de Gilberto Freyre, e pude jurar que naquela casa abandonada no final da rua de terra havia algo que afastava os gatos e outros animais.
E quando parei embaixo da velha árvore pra me proteger da chuva já não tinha medo, porque eu era um menino de poucos medos. E pensava se você gostaria de ficar comigo e aprender a língua secreta dos pássaros.
Naquela época não havia tempo para trens, nem taxis. Nenhum era mais rápido do que os pés apressados do garoto que descia a rua com seus livros, a pisar nas poças da rua sem asfalto, guardando em silêncio a língua secreta dos pássaros.


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