domingo, março 09, 2014

Loki



           

             Então eu sento no sofá, olhando os livros na estante. O sol das 15 horas a entrar pela varanda, causticando o ambiente.
            Tomo um gole gelado e doce da cerveja escura que comprei na padaria. A garrafa tão suada quanto a minha testa.
            Fecho os olhos e me sinto na África de Mia Couto, sentindo o calor da tarde preguiçosa à tomar de conta do meu corpo, que tento, em vão, esfriar com a cerveja doce. Rogo aos deuses africanos para que eu vire algum animal de pelos grossos e patas fortes, enorme à se aquecer na relva da sala do meu apartamento, banhado pelo sol cor de ouro, que entra sem cerimônias e toma conta de tudo, e me toma como objeto tanto quanto aos móveis. E quando chegar, minha mulher, a querer saber se voltei da padaria, dar de frente com aquele animal enorme a expandir as costelas em uma respiração forte e ruidosa, fitando-a com olhos animalescos, perdido no tempo e no espaço à olhá-la com curiosidade.
            Como um Puck, a pregar peças, por ser resto desgarrado dos adoradores dos deuses primevos. Transformado em animal à fitar minha mulher. Mulata também negra como a noite, de pele branca que o sol castiga, convocando o sangue a lhe prestar reverência em suas faces. O animal e a mulher, fitando um ao outro eternamente na savana da sala de estar do apartamento ao sol do meio da tarde.
           
Abro os olhos e estou sozinho ao sol, homem, sem deuses, com uma garrafa vazia e o gosto doce nos lábios, como uma lembrança de um copo de cólera.
Escuto trompetes ao longe, e penso em praias brancas.

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