Olho, pela janela, o lago. São 8 horas e as luzes dos postes continuam acesas na penumbra. A chuva cai leve.
Sou novamente estrangeiro de mim mesmo, desse país devastado pela escravidão e as guerras civis do meu corpo. Olho por entre os pingos de chuva da janela.
Estou novamente no barco, segurando o cavalo de brinquedo, talhado em madeira, junto ao meu pai e meu irmão, na neblina daquele lago da Patagônia.
Mamãe ausente, papai jovem, com dois garotinhos. Meu irmão à brincar com a neblina ao seu lado, suas bochechas vermelhas, os cabelos loiros, eu segurado à barra de sua calça, com o cavalo de madeira na outra mão, de tês escura.
Ele contava da paisagem agreste, da Bahia à Pernambuco, de quando fizera teatro e pegou um ônibus cheio de freiras tagarelas. Quisera um dia ver a neve, e lá estávamos os três, perdidos na neblina, no barco que, em minha memória, estava vazio à deriva.
Olho a chuva crescente e penso que nunca regressei, à deriva na neblina.
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