Minha
avó contava que há muitos anos, sua velha, velha avó lhe contou uma história
sobre a maçã.
-
A maçã, dizia ela, tinha sido tirada do peito de um menino da vila. Ele ficara
oco. Crescera oco.
-
Fora roubado, ainda no berço, como fora profetizado pelos mais velhos. A maçã
fora levada pelo corpo seco, não se
sabia para onde.
A
maçã brilhava como o sol, o último fruto dos deuses que estavam morrendo
naquela época. O pomo da discórdia que tapava a última armila daquela época, um último vórtice, se fora para sempre.
Junto
com a maçã fora levada a vida da aldeia. A criança com a maçã no peito era a
primeira a nascer nas últimas décadas. A vila caíra em trevas, como em trevas ficara
o peito aberto do menino.
Vovó
tinha a pele cinza, e me contava a história do alto de sua cadeira de balanço,
enquanto, sentado aos seus pés imaginava o menino. Ela contara do declínio da
esperança de uma aldeia que era absorvida pelo buraco negro no peito da
criança.
Como
tudo eram trevas, não havia como fugir da vila, sem voltar para o centro e ser
sugado pelo buraco faminto.
Sua
avó foi a única a fugir, usando um pedaço de vela da babilônia, procurando abrigo em uma terra muito diferente
da sua, com uma língua que ela custou a aprender.
Sua
pele era cinza, como a da minha avó. Como a minha própria pele.
A
história ainda não explicava porque nossa pele era cinza, mas, quando a avó
calava e fechava os olhos, sabia que não teria mais nada dela.
Então
eu calava também.
2 comentários:
Preciso decifrar mais tuas tempestades. No entanto, percebi que alia avó não era desalmada como a Cândida Erêndida de Garcia marques. E a pele cinza deles me fez pensar na marca tatuada da trans geracionalidade.
Carols! Pois é, ela não é má. Só uma vovó contando uma história.
=*
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