sexta-feira, maio 17, 2013

Dias de Trovão





Eram dias de trovão. Tocava em seu carro uma velha fita k7 com músicas do Belle e Sebastian de um lado e do SteppenWolf do outro.
Cruzava a cidade, com um velho amplificador na mala e o case da guitarra no banco de trás. Um On the Road tupiniquim. Estava fugindo de casa, um pouco tarde para sua idade. Fugia só.
Ele sabia que as bombas cairiam em poucos anos, que deveria rumar país adentro, que não era seguro estar no litoral quando as ondas encobrissem as primeiras cidades costeiras.
Olhava as pessoas andando distraídas, ocupadas em seu cotidiano, ao passar pelas pequenas cidades, menores do que muitos bairros da sua própria cidade.
Eram dias de trovão e ele sabia que anunciavam a catástrofe iminente. Sua viagem já ia em 3 anos quando não teve mais de onde tirar dinheiro para seguir de carro. Estava só e não tinha como recorrer à família, que o havia procurado por meses, e que ainda passara um ano esperando algum contato de algum possível sequestrador após as buscas da polícia terminarem.
Dois anos após, encontrava-se vagando descalço, com os jeans rasgados tentando escapar dos trovões e da chuva que o seguiam durante esses anos, sem deixa-lo ver por mais do que poucos dias o sol. Às vezes sentia-se culpado pelas catástrofes, causada pelas chuvas, das cidades pelas quais passara, só às vezes.
De repente sentiu saudade de casa e resolveu voltar. Seu carro apodrecera em ferrugem e mofo, deixado sem gasolina junto com o case vazio e um amplificar queimado em uma beira de estrada, longe da rodovia à muitos anos.
Usava um saco de lixo preto no corpo pra proteger os trapos da chuva e do frio. Estava voltando pra casa. Se perguntava, como quem lembrava de algo perdido na infância:
– Quem é que ira lançar as bombas mesmo? Lembro de um cogumelo de fumaça.
Parava um transeunte segurando-o forte pelo braço, a olhar o desespero do mesmo como se fosse um assalto, e perguntava:
- Filho, você viu a previsão de hoje? Falaram das ondas? Onde fica o litoral?
Sete anos após chegou ao Recife. Magro, a barba em seu peito, um novo saco de lixo preto, que trajava com uma elegância que ninguém percebia.
Esperou um bonde que já se encontrava atrasado à décadas e saiu, a pé, escarnecendo a cidade por não estar preparadas  para as...
- Para o que mesmo? Tinha a ver com um cogumelo e ondas. Champignon? As ondas da praia de Boa Viagem?
Coçou a barba. Na verdade não parava de coçá-la. Foi ao marco zero. Chovia torrencialmente, como não chovia em anos, com raios e trovões.
As águas do cais estavam revoltas quando chegou. Então viu o que parecia ser um cogumelo, grande demais para o seu gosto, e por trás dele as ondas a baterem no quebra-mar.
Pegou a primeira balsa de madeira, ignorando os gritos do barqueiro que levava turistas ao quebra-mar parar visitar as esculturas do Brennad, e navegou por longos minutos sob forte chuva até conseguir subir pelas pedras e abandonar a embarcação à deriva.
Sentia as ondas baterem no quebra-mar e o molharem mais do que a própria chuva. Olhou o monumento fálico sob o céu plúmbeo. Ondas e mais ondas a baterem nas pedras.
Juntou-se ao mar.
           

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Quem procura...