domingo, dezembro 26, 2010

Cansaço



As palavras me escapam. Fico um tempo a olhar a barra piscando no computador, uma folha em branco a minha frente.

Me escapo às palavras enquanto escuto alguma música do Vince Guaraldi nos fones de ouvido.

A verdade é que estou cansado, o corpo já não acompanha a cabeça a alguns dias. Almoço de natal na padaria, jantar a dois com direito a peru e vinho, após voltar do trabalho. Trabalho, almoço em família e trabalho no dia seguinte. Mente a todo vapor em 2011, o corpo se arrastando, tentando chegar ao fim de 2010.

Pois a meta é a seta no alvo, mas o alvo na certa não me espera, nem espeta.

Irei passear no laguinho com mais calma da próxima vez, irei terminar o curso de francês da próxima vez, irei relaxar um pouquinho da próxima vez.

Já é domingo, 1:12h, estou feliz. Vou tomar toddynho e dormir. rs

Sei que, pelo menos esse ano, não vou ter de me preocupar com os espíritos dos natais passados, até eles precisam de descanso.

Vou guardar as ferramentas para amanhã, ando construindo rotinas, arquitetando e empreitando o cotidiano. Tanto o que fazer... que sono.

Na verdade eu queria era trazer um conto sobre as folhas de março, que forravam o chão de paralelepípedo da rua estreita. Lá tinha um garoto que costumava sempre descer a rua ao fim da tarde, trazendo sempre consigo as mesma..

domingo, novembro 07, 2010

O velho



O velho, sentado na cadeira de balanço a olhar a rua do terraço. Os 89 anos pesam em seu corpo.

Colegial incompleto, faculdade da vida.

Diz por vezes que só espera a morte e traz uma leveza e delicadeza que destoa gritantemente das rugas, cicatrizes e manchas que embrutecem seu corpo. Os dedos inseguros e enormes, como feito de pedra, a passarem na testa enrugada indo até a nuca lisa.

O velho, dormindo na cadeira, arrebatado pelo sono trazido pelos ventos quentes das tardes de outubro. Já não deve mais caçar quimeras, nem se apavorar diante do futuro, como se seu corpo fosse muralha protetora para seu espírito sem ambições.

Uma vida tranqüila, filhos, netos. A riqueza de toda uma vida vivida em seu devido momento, todas as conquistas, hoje, não são mais do que as derrotas.

O futuro, que por vezes me aterroriza, e o passado que por vezes me assombra, não se refletem em seus olhos, que começam a serem tomados pela catarata. Ele sabe que o futuro se faz no presente e que o passado não tem poder sobre este, somente os fantasmas que trazemos conosco.

Aprendo com seu silêncio. Sentado na varanda, bocejo. A tarde, arde.

Até o próximo outono será uma eternidade.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Christmas Time Is Here...




Às vezes me pego lembrando dos natais passados. Dos natais quentes de verão tenho lembranças doces, daquelas que chegam com o cheiro da poeira de dias secos, que chega com a lembrança das rosas-meninas do canteiro que minha mãe havia plantado.

Algumas vezes ponho para tocar Christmas times is here e de repente estou lá, colhendo os gravetos junto com meus pais e meu irmão, para levar para casa e fazer nossa árvore de natal de galhos retorcidos, com aquelas bolas coloridas e frágeis, que mal podiam tocar o chão e se quebravam, tiradas cuidadosamente da caixa velha, lotada de enfeites de natal, que trazia o cheiro de natais ainda mais antigos.

Não comemoro o natal hoje em dia, acabo lembrando dele em outras datas. Procuro comemora minhas alegrias diárias, e algumas tristezas também, porque elas deixam as alegrias mais doces.

Hoje minha imaginação demora mais a alçar vôo, as vezes volto um pouco pra pegar impulso nos ventos das boas lembranças.

sábado, setembro 04, 2010

A filha do feiticeiro (ou quando virei peixe e fui ao fundo do oceano)

Ilustração de Chris Conover


Aonde vais ninguém sabe.
Talvez ao mesmo local aonde vai a fumaça que sai pelos meus dedos nos dias de chuva. Lembro da filha do feiticeiro que morava no fundo do mar.
Lembro de não saber aonde ias, agora que sou jogado ao mar, em forma de peixe. Nado sem rumo.
Pelas minhas guelras, não só o oxigênio filtro da água salobra, mas todas as lembranças da última semana, dos amigos que deixei sem notícias minhas, das inseguranças geradas pela falta de compreensão, daquela velha canção religiosa que meu pai cantava para que eu dormisse quando pequeno.
Nado fundo por já ter corrido o mundo como lebre e por já ter voado sobre os famintos, como ave.
Logo estou pendurado no grande candelabro, como bobo-da-corte, como na lenda viking, em que os milhares de peixes aparecem voando e se tem que descobrir qual deles comera o coração.
O dedo de minha mãe apontado para as gravuras, o som de sua voz ao falar os nomes dos personagens sem sotaque a ecoar na caverna pintada que guardava todo o alimento do mundo.
Aonde vais, ninguém sabe, tanto quanto eu. Tanto quanto afundo mais na água escura, ínfimo a me perder no oceano. Cachalotes me sobrevoam, gritando seus nomes. Talvez a sigam, talvez gritem seu nome.
Aonde vamos ninguém sabe. Nem ao menos nós. Nós nas cordas que nos atam uns aos outros. Outros rumos possíveis de tomarmos.
Deus pôs um sorriso no seu rosto, pelo menos na última vez que te vi.
Peixe. Nado a fundo cada vez mais. Trevas com tons de azul e esmeralda, sinto a água gelada em minhas escamas. Vejo algo. Cada vez mais próximo. Espere... estou vendo melhor. Sim, sim...

Trilha sonora: ponha a trilha sonora do post ao ler


*Referências tiradas da obra de Chris Conover e Chris Martin.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Lendas de família ou As árvores.


As árvores sempre me têm histórias para contar, sempre que passo por aquela ruela, que cruza a universidade católica. Quanta sabedoria. Demorei anos para compreendê-las.

Uma delas disse que meu pinheiro mandou lembranças.

Na minha antiga casa, tinha um pinheiro no quintal de concreto, o qual cumpria as funções de árvore de natal durante as festividades e casa de pássaros no resto do ano.

Em casa havia a lenda de que se o pinheiro passasse da altura do cume da casa, alguém nela morreria. Se era verdade ou não, o fato era que papai sempre deixava o pinheiro um metro abaixo do cume da casa.

Eu ainda não entendia o que elas falavam nessa época. Não chegavam a ser palavras e eram jogadas ao sabor do vento como pólen.

Elas também tinham suas próprias lendas sobre nós, mas isso elas não contavam. Algumas delas serviam como portais para certos lugares e muitas vezes, à noite ou em locais desertos, algumas coisas as atravessavam para o lado de cá.

Antigamente, na época do avô do meu avô, eram mais freqüentes essas coisas acontecerem. Eles não se davam muita importância, embora soubessem da existência um do outro.

Quando garoto, meu avô achava estranho que seu pai sempre deixasse um pacote de rolo de fumo na soleira da casa a cada lua cheia que fosse precedida pela chuva. Sempre que isso acontecia, ele ficava acordado até de madrugada, escondido, para ver da janela o estranho que sempre aparecia para pegar o fumo.

Parecia ser um senhor muito baixo, quase da sua altura, usava um chapéu de abas largas e roupas humildes, sempre trazendo um cachimbo longo do qual saia uma fumaça que tomava tons de roxo ao luar.

Por causa da lua cheia o terraço ficava bem claro e meu avô podia jurar que o velho misterioso tinha pelos, pelo menos sua barba era tão grande que lhe caia sobre o peito, fora o dorso das mãos e dos pés peludos.

Ele contava que, após o velho pegar o fumo, dava uma longa baforada no cachimbo e gritava: Boa Sorte!

Gritar era forma de dizer, na verdade ele gritava sem gritar, e o timbre de sua voz, meu avô contava que nunca tinha ouvido nada parecido. Dizia que a única vez que questionou seu pai sobre o motivo que o fazia deixar o fumo, este simplesmente se resumiu a dizer que era por causa da boa sorte.

Era a época em que as simpatias do interior funcionavam. Ele contava que podíamos passar nossas doenças para alguns animais, que foi assim que sua avó tinha se curado da tuberculose, em uma noite de mormaço em agosto com a lua minguante. Seu pai tinha pescado um peixe e o soltara no rio logo após ela escarrar em sua boca.

Era tudo verdade, dizia ele. Algumas das árvores confirmavam, outras desconfiavam.

Ainda passo pelo meu antigo bairro de casas quase centenárias, hoje sendo engolida pelos prédios cada vez mais altos. Vejo meu pinheiro se erguer por detrás do muro amarelo, muitos metros acima do cume da casa.

Pergunto-me se era verdade o que meu pai contava, ou se fora mera coincidência. A verdade é que não teria coragem de perguntar isso diretamente ao pinheiro.

Parado, lhe dou um adeus silencioso e logo estou dobrando a esquina.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Resenha: Dublinenses – James Joyce


Depois de começar a ler as primeiras páginas de Ulysses, desisti e resolvi tentar ler James Joyce de forma cronológica.
Dublinenses me foi um espanto do primeiro ao último dos seus quinze contos. Dos textos curtos de histórias, que nada mais eram, do que pedaços do cotidiano dos moradores da Dublin do início do século XX, que começavam sem dar muita referência de seus personagens e terminavam por deixar mais curiosidades do que certezas sobre o que acabara de ocorrer, encontrei com elementos meus próprios, que de vez em quando teimam e permanecer nos textos do Tardes Quentes.
As lembranças da infância, as reflexões, o frio das noites de Dublin vinham até mim muitas vezes pelas noites de ventos frios e das chuvas de julho. Joyce apresenta personagens reais, desvelando os desejos e segredos destes, indo do desejo desesperado em asfixiar o filho contra o peito, os segredos das relações conjugais até o confronto com a lembrança de um amor perdido de sua esposa que o faria refletir sobre a própria passagem do tempo e do sentindo das palavras ditas nas festas natalinas.
Um livro que me deu saudade assim que terminei de ler sua última frase. Dera-me saudades de mim também, ou mais especificamente das histórias que trago comigo.
Dublinenses é aquele tipo de livro para se ler como quem come um pedaço de chocolate, sentindo o sabor aos poucos porque não se quer terminar. Pode ser até mal digerido. Mas, com certeza, se quererá mais um outro pedaço depois.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Lembranças de Hiroshima


De vez em quando o vento trás os ecos dos gritos. A brisa quente que chega furtiva pelo Pacífico e Atlântico, às vezes, parece trazer o calor atômico de 65 anos atrás.

Tenho lembranças de Hiroshima. Lembranças vindas de ecos que já perderam o som.

O segundo bigbang que dá origem a nossa era data de 65 anos, o flagelo da ultima Grande Guerra. Calor e fúria. Silêncio no final. Após 1945 nascemos meio natimortos.

Tenho lembranças de Hiroshima, das crianças indo para escola, das milhares de pessoas indo para o trabalho antes do silêncio, antes da primeira rajada de vento quente. Antes da morte instantânea de 78 mil pessoas. Antes do som voltar em um amálgama de berros, choros, gritos e desespero.

Prédios e vísceras no chão. Lembro de Einstein citar Gandhi.

Vejo fotos anônimas e imagino as milhares de pessoas que ainda não sabiam que estavam mortas, após a queda da bomba atômica.

Lembro do pavor da constatação de que se poderiam matar milhares em segundos. Os cogumelos que encontrava no quintal nunca foram mais os mesmos.

O vento frio que vem da chuva, que bate na minha varanda, leva os pensamentos pra longe. A paisagem se transforma e tudo volta a nascer. Prédios cada vez mais altos. Pessoas cada vez mais apresadas.

Vovô, quando vivo, falava que o tempo a tudo curava. Talvez.

Menos minhas lembranças de Hiroshima.


(Em memória aos mortos e sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima)


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(Hiroshima antes da bomba) (Hiroshima após o bombardeio)


quarta-feira, julho 28, 2010

Giz de Cera




Chego já de manhã. Faço o caminho contrário dos que lotam os ônibus e as avenidas de carros para o centro da cidade.
Meu ônibus é mais vazio, mas minha alma volta mais cheia. Preciso agradecer mais, a conversa com a menina que tem medo de mariposas me mostrou isso.
Enquanto caminho por entre as poças de água da chuva de ontem, penso no que a Jornalista escrevera sobre a aurora da vida e agradeço. Agradeço, com se agradecer sem dizer uma única palavra fosse ensurdecedor.
O sol nasce por detrás do meu prédio, batendo nas copas úmidas e barulhentas das árvores da rua. Estou com sono e ela ainda está dormindo. Por vezes fazemos o caminho inverso.
A escadaria pela qual eu subo na companhia da uma gata rajada em tons de branco e baunilha será a mesma a ser percorrida por ela, sempre com pressa. Meu subir é lento e preguiçoso.
Abro a porta do seu quarto e digo que vai se atrasar. Ela levanta o polegar e volta a dormir, logo estará correndo para não perder a hora. Lembro-a de que combinamos de ir à academia juntos, que precisamos perder peso. Ela quer fazer dança de salão. Eu desconverso.
Beijo rápido. Bom trabalho. Me liga mais tarde pra dizer se está tudo bem. Deixei o almoço pronto, não vá comer besteira. Você também.
Vou para a varanda, não consigo dormir pela manhã. Cantarolo uma velha canção de Chet Baker.
Estou com preguiça.
Deito na rede, folheio o livro que comprei no fim-de-semana e pela varanda vejo o mundo que colori com giz de cera.

terça-feira, julho 06, 2010

Casa Forte




Café, batata, terça-feira. Na verdade é quinta. Caminhei alguns quilômetros.

Meu irmão me fala sobre “A noite do espantalho”, eu não me lembro como era o final, então ele me explica e logo estamos falando de música.

Minh’alma voa longo ali e volta, enquanto passamos pelas árvores e prédios de Casa Forte. Rimos.

Somos crianças novamente a conversar. Caminhamos alguns quilômetros porque erramos parte do caminho, então, enquanto fazemos o caminho de volta, penso que muita coisa já está melhor.

Sou presa do seu sorriso fácil. Sorriso que brota do seu semblante fechado, junto com aquela lembrança de quando se era garoto e o mundo parecia menos perigoso, da segurança do nosso quarto, cheio de gibis e desenhos nas folhas de papéis espalhados pelo quarto.

Estamos quase chegando.

Ainda somos garotos a se empurrar e rir nas ruas de Casa Forte.





Trilha sonora:

terça-feira, junho 29, 2010

O Blog sobre si (ou Sobre a necessidade de falar deste espaço para seu próprio sentido).


Escrever sempre acaba sendo um exercício auto-imposto para mim. Um martírio que procuro aliviar escutando, como agora enquanto escrevo, Billie Hollyday, John Coltrane e Chet Baker. Já são seis anos de Tardes Quentes de Outono, do que antes era o DW e hoje é o Tempestade. E não paro de escrever, cada ano a seu ritmo, como se o escrever em si e não necessariamente o que é escrito, já fosse sentido o bastante para a sobrevivência desse espaço.
Do, hoje longe, ano de 2004 sobram tantas lembranças, quanto palavras no dicionário que por vezes fica perdido em meu escritório.
Lembro de quando não haviam tantos blogs, de como eram tão padronizados: à direita: nome, signo, idade, o que gosta, o que se odeia e à esquerda o detalhado cotidiano. Os que lia na época (“Life is but a dream (Eu na chuva)” e o “Sex, lies and one life”) embora diferentes, tinham algo que me fugia, que também não encontro aqui.
Não eram páginas na tela do meu computador, eram locais em que eu poderia me sentar à sombra e descansar, ou por onde eu caminhava à noite. Era esse o tipo de local que eu queria.
O nome veio de um texto que escrevi na varanda da minha casa, sentado perto do meu antigo pinheiro, com os cabelos molhados no sereno da noite. O conteúdo, principalmente, veio dos meus amigos de todos os cantos e momentos (passados e futuros).
Do filme de Godard e dos debates no boteco com a Jornalista e Pepel até a minha busca pelo tempo perdido já se passaram muitos anos, muitos livros, algumas mortes e alguns nascimentos também. O futuro me é saudosista. Tenho saudade de tudo que ainda não vivi porque o que já passou trago guardado dentro de mim.
Brinco de escrever, sem me importar com a métrica, concordando com a discordância por vezes. Brinco de tornar o cotidiano em história, de por pingos de chuva em dias de sol escaldante só para me refrescar. Minto da mais deliciosa forma as histórias que são verdade, na verdade de serem apenas histórias.
Danço sozinho em casa, como se não estivesse a fazer a faxina da semana, logo após chegar de outro plantão, deixando subir o vapor do café bem doce feito na cafeteira que ganhei de presente de casamento. O cotidiano ganha mais sabor quando temos tempo de parar para lembrar das pequenas coisas, daquela faxina que me deixou quebrado aquele dia, das horas de transito que pegamos na carona do amigo para chegar em casa tarde durante a semana, de por minha sobrinha para dormir em meus braços enquanto canto Beatles bem baixinho pra ela e sinto o peso do corpinho e sua respiração em meu ombro antes de pô-la no berço, ou daquela chuva que deu e deixou a gente todo molhado e tivemos que nos aquecer um no outro.
Ainda sinto o prazer que sentia quando caminhava por aquela alameda cheia de árvores as seis e meia da manhã a caminho da escola, com o sol se infiltrando por entre as copas e o vento frio que trazia todo o sono que havia deixado no banho frio de casa.
Talvez esse seja o momento em que paro um pouco e saboreio o cotidiano das minhas tardes quentes de outono. É bom, é bom..

“Escritores são mentirosos” – Erasmus Fry durante uma conversa, 6 de maio de 1986




Sobre as chuvas...

Estou pensando em juntar os amigos para fazer um mutirão voluntário nesse fim-de-semana para ajudar a separar e carregar as doações que chegam no quartel do Derby. Quer ajudar também? Mesmo que não seja aqui, no mutirão, sempre dá pra ajudar de alguma forma.
Quem quiser saber sobre local, hora e se vai rolar mesmo esse encontro solidário é só mandar um e-mail para: diaschuvosos@gmail.com e falar com o Tempestade.

sexta-feira, junho 18, 2010

A língua portuguesa fica mais pobre.



É com pesar que recebo e venho repassar a notícia da morte de José Saramago. Ele era o maior representante da literatura de língua portuguesa na atualidade.

Segundo nota da fundação Saramago, ele faleceu em decorrência de múltipla falha orgânica. Ele faleceu em sua casa, aos 87 anos, de forma serena e acompanhado pela família.

Para mim a língua portuguesa perdeu um pouco do seu simbolismo com a morte de nosso amigo lusitano. Digo amigo porque a amizade nasce da relação e é disso que sua obra trata, das diversas relações nos mais variados sentidos.

Acho que a essa hora ele deva estar batendo um longo papo com Fernando Pessoa.

Para nós basta lamentar a falta que suas palavras farão ao português, e ao mundo.

Quem freqüenta o Tardes Quentes de Outono, já deve ter percebido que há na lista de blogs que leio o blog do próprio Saramago. Quem nunca viu, é um ótimo espaço para apreciar bons textos.

O Caderno (ou os outros cadernos) de Saramago


Fontes:

Folha on line:http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/

Globo news: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/06/morre-aos-87-o-escritor-jose-saramago.html

sexta-feira, junho 11, 2010

Restos da moda

Saindo um pouco desse lado recapitulador de minha própria vida e suas reflexões e indo para minha veia mais jornalista e sociológica, fiquei a refletir sobre um tema tão atual quanto chinfrim para mim: a MODA.
Em um período de fashions weeks, como o que vem acontecendo aqui nesse momento, fico ainda me surpreendendo com os contra-sensos que encontro quando vou à loja e dou de encontro a um dos últimos subprodutos das passarelas internacionais e nacionais, o que sobra das solas dos saltos-altos das supermodels: a roupa que vou comprar pra mim.Não sou uma pessoa fisicamente privilegiada de beleza e proporções corporais (se bem que, mesmo com toda a vaidade de um jovem adulto e a pressão da mídia sobre beleza, para mim não fazem mais falta do que possuo dentro da cabeça), mas gosto de me vestir bem e confortavelmente. Na verdade, a ultima coisa que levo em conta na hora de comprar as sobras dos desfiles, das modelos, dos anúncios, do lobby, das grifes e dos bilhões de dólares em investimento é o meu gosto. Compro o que me serve, melhor dizendo: no que caibo.
Não preciso ser mulher para sentir a grande exclusão social que existe quando o assunto é se vestir (e não quero dizer aqui se vestir bem ou mal, e sim, se vestir). A verdade é que o grande fator de exclusão é somente um, se chama PADRÃO. Eu não estou nesse padrão, tenho 1,93 metros e tenho meus quilinhos a mais como bom leitor sedentário, assim como quase toda a população brasileira.Embora ache muito interessante a leitura de Lipovetsky faz da moda como uma nova estrutura social, que talvez venha reciclar velhas ideologias, o que encontro está longe de minha visão confortável do trio básico (jeans, camiseta e tênis).
Quando as camisetas não tem cores berrantes, milhares de estampas sem sentidos, ou milhares de anúncios e marcas de suas fabricantes, as calças tem mais furos e são mais surradas que as de um mendigo, sem falar que encontrar um tênis (ou qualquer outro sapato) de numero 45 que não seja semelhante a um sapato de astronauta ou sapatos do Cirque de Soleil é piada.
Talvez o objetivo final da moda seja com que fiquemos tão ridículos como as pessoas que desfilam as grandes grifes. Pena que não ganho 1 centavo para bancar o palhaço.

Na passarela é conceito. Na rua é mau gosto.

O tempestade continua procurando
roupas legais que sirvam nele

sábado, maio 15, 2010

Todos os meus caminhos levam à cafeteria


[...] enquanto escuto “So What” nos fones de ouvido.
Geralmente fico naquela mesma cafeteria do shopping, onde as pessoas normalmente estão almoçando apressadas, só para matar o tempo entre aquele momento e o momento da minha quase meia hora de monólogos.
Não chega a ser uma cafeteria tão bonita ou charmosa, mas é acolhedora em seus tons de creme, baunilha e café nas paredes. Já o era, antes de ser reformado, quando jovem e meu pai me deixava esperando-o lá, tomando café expresso e lendo a Carta Capital da quinzena.
Mas, onde eu estava? Ah, sim! Era que, de vez em quando, sinto minha vida tomar ares de romance, não daquelas grandes obras que trazem tramas complicadas, mas um daqueles que se lê em uma seqüência quase monótona, que vai enchendo o peito e que deixa um sabor gostoso ao se chegar ao ponto final.
Desconheço, por vezes, o quanto me perco em minha própria ficção, mas consigo tirar dela um sabor monótono, como os ventos quentes das tardes ou os salpicos finos da chuva que bate em minha janela e deixa pequenas gotas d’água sobre os livros da escrivaninha que estava lendo na noite passada. [...]
[...] quase na hora de ir. O creme de chantili bóia no café morno, lembrando-me de que o café só permanece quente, quando se devaneia, nos filmes.
Está chovendo bastante nessa tarde de maio. Não tenho guarda-chuva.
Escrevo pra passar o tempo, pra não me perder tanto nas linhas da vida cotidiana. Pago meus cafés, ponho minha jaqueta marrom com as marcas da chuva que levei e ando rápido, antes que a chuva caia com mais força.

E não consigo parar de assoviar “Só sei dançar com você” da Tulipa Ruiz.

domingo, maio 02, 2010

Aniversário





Abril passou e se foi mais um aniversário do Tardes Quentes de Outono.
6 anos.

Não tem muito o que se comemorar.


As vezes isso perde o sentido

domingo, abril 18, 2010

Sonho


“... Estava em uma região pantanosa e úmida, em uma cidade perto de São Paulo. Lá, ao lado de um lago, cercado por árvores de copas densas e troncos enormes, ficava o teatro de arquitetura inglesa, no qual as peças da cidade eram interpretadas.

Fora convidado para fazer uma ponta em uma peça, pois faltavam atores suficientes para ela e eu dispunha de algum tipo de amizade com um dos diretores.

A peça era uma versão macabra para um dos contos de Machado de Assis, interpretada em um palco parco, com pouca luz mas uma platéia que enchia o salão. Uma platéia silenciosa e de rostos inalterados.

Não havia coxias, ao lado do palco havia uma porta que dava para os bastidores. O camarim nada mais era do que um pequeno quarto úmido, com cadeiras jogadas e cheio de teias de aranha, com uma pequena porta para o banheiro, também de proporções ínfimas com uma fraca luz que vinha da velha lâmpada, pendurada somente pelo fio de eletricidade.

Eu interpretava um juiz velho, que fazia às vezes de advogado, ao tentar persuadir o júri e os espectadores do teatro, sobre a sentença de um demônio que estava no teatro. Eu não conhecia o texto e não interpretei bem em minha primeira noite. Fiz o mesmo papel por três noites. Sempre era noite e o teatro inglês, em seu interior, assumia características de uma velha igreja.

Não sei dizer se estava no século XVIII ou XIX, mas os cavalheiros possuíam cartolas e as damas, longos vestidos. Era sempre a mesma platéia a assistir a apresentação macabra, como se eles não saíssem de suas cadeiras e ficassem lá até o próximo espetáculo.

Na terceira noite de minha atuação, o demônio preso à parede do teatro inglês tomou vida no momento em que estava fazendo sua defesa, em uma atuação bem melhor do que a do meu début, fazendo com que a maioria os espectadores e atores fugissem tomados pelo pavor.

Fui para a porta do teatro, junto com outro ator que me apontava um terceiro que clamava por mais atores, pois a peça tinha que ter um fim. Do lago via surgir figuras completamente estranhas, humanóides. Seus corpos eram marrons como terra, usavam roupas feitas de metal que lembravam partes de armaduras e tinham asas. O velho ator do meu lado me explicava que eram elementais de água e apontava para as árvores de onde saiam da escuridão pessoas mortas, em diferentes estados de decomposição, vestindo mantos brancos, andando lentamente, alguns se arrastando, enquanto o terceiro ator dava graças por ter sido ouvido. Os novos atores que iriam compor o fim da peça estavam presentes.

Dentro do teatro o demônio revirava cadeiras, tomado pela cólera. Estava inconformado por ser um demônio e sua fúria parecia residir no fato de desconhecer motivos para sua existência. Eu, já dentro do teatro, mas não mais trajando a barba falsa, mirava o olhar para o demônio, a fim de aproveitar a pouca luminosidade que entrava pelas enormes janelas do casarão inglês, para poder vê-lo melhor.

O demônio era só um homem...”

segunda-feira, abril 12, 2010

Clarisse


Clarisse olhava as hélices do ventilador do teto, lento. Já não fazia idéia se era mais um sonho ou se estava acordada.

Sua mente estava vazia, como um saco vazio cheio de ar esticando-o, seu corpo pesava naquela cama de lençóis baratos, cujo colchão afundava em seu meio. Havia acordado a mais de uma hora, o ardor em seus braços, que antes a mantinha desperta, agora nada mais era do que uma pequena lembrança de noites primevas. De vez em quando podia acreditar escutar uma versão do rádio de Mother Goose, do Tull.

Clarisse não iria levantar, mesmo ao ouvir o barulho de Cecília ao expurgar o resto de toda a noite passada no vaso sanitário do banheiro branco. Cecília havia sido honesta com ela, nunca lhe prometera nada e sempre havia deixado claro que redenção era algo que não encontraria com ela. Clarisse a olhava vir, nua, com os braços brancos, tão cheios de marcas, mas continuava linda ao descerem as gotas de suor sobre se corpo, que caminhava vacilante em direção à cama.

Colado à janela uma velha capa de Ziggy Stardust, a pequena tv ao lado da radiola, seus pôsteres, seus livros, seus cansaços se espalhavam pelo resto do ambiente. Ouvia Cecília chorar baixo contra o travesseiro enquanto olhava a hélice do ventilador girar cada vez mais lenta. O cheiro dela era uma mistura de suor e canela, seria bem mais doce, não fosse o cheiro que a lembrava do gosto metálico de sangue de seus pequenos furos em seu corpo. Seu choramingar ao travesseiro era doce, uma música distante que ecoava dentro da cabeça de Clarisse.

Não iria dizer nada para Cecília, o silêncio sempre fora suas conversas mais íntimas. Não iria humilhá-la dizendo algo. O olhar ainda para o teto, parado no tempo, regente das lágrimas que também eram suas. Cecília cheirava a canela, estava cansada, mal conseguia manter os olhos abertos. Seu toque era suave. Cecília abraçava-a levemente fazendo com que suas pernas pesassem sobre as de Clarisse, enquanto sua cabeça se acomodava próxima ao seu rosto, sentindo o cheiro de seus cabelos. Quase apagando.
- Humm.. você está tão fria Clarisse.

segunda-feira, março 29, 2010

Espelhos e Cafés


Olho para mim, através do espelho horizontal colado à parede do pequeno café. O tilintar das xícaras, postas na máquina pelos baristas, misturam-se com as pontas revoltas dos meus cabelos ao olhar o espelho.

Os cafés, para mim, sempre foram as ante-salas, as salas de espera para os encontros comigo mesmo.

O outro do espelho escreve pequenas anotações no guardanapo de papel. Penso que ele deva estar a escrever algo mais interessante. Ele realmente precisa cortar aqueles cabelos e fazer a barba.

Tento ler minha sorte na xícara vazia de café, nada que vá além das contas para pagar e das pequenas grandes descobertas que desnudam a realidade da qual não me apercebo.

Ele escreve sem parar, quase que em transe, quase que rasgando os guardanapos, de tão rápido que escreve.

Olho para o espelho e o vejo concentrado, escrevendo como se não precisa-se parar para pensar no que escreve, juntando palavras, pontuações, vírgulas e mais vírgulas, sem precisar fazer sentido, como se o próprio ato de escrever fosse substituto para o curso do seu pensamento agora vazio.

Já eu, em minha observação, me prendia entre o cheiro dos croissants e dos cafés, e as pessoas que transitavam entre as pequenas mesas de duas cadeiras que enchiam o pequeno espaço.

Cheiro de azeite. Eu quase me perco o sentir o gosto trazido pelo cheiro. Me perco olhando o vazio, imaginando cidades de azeite, com árvores-oliveiras, rios oleosos, entre o verde-oliva, e o cheiro.

E de repente estou novamente no café, escrevendo a terceira folha de guardanapo. Olho para o espelho e vejo-me a me olhar escrevendo sem parar, como se houvesse um delay tão enorme na reflexão da luz do espelho, que o fizesse um anteparo entre presente e passado. E já não sei se sou o presente, a recomeçar o escrever de onde parei no espelho, ou o ato atrasado da imagem refletida anteriormente na superfície polida ao meu lado.

Junto as folhas espalhadas pela mesa e as guardo numeradas dentro de um livro da Anne Rice, que uso como suporte para escrever, na esperança de que fiquem esticadas e não rasguem.

Tiro umas moedas do bolso e pago meu café. Olho a pequena mesa ao sair, ao lado do espelho que corta uma ponta a outra da parede que é uma mistura de tons de creme, e o vejo sentado a me encarar. Barba por fazer, cabelos rebeldes.

Em sua mesa, muito mais papéis espalhados dos que levo numerados em meu livro. Em seu olhar nenhum sinal de que vá embora tão cedo.

sexta-feira, março 12, 2010

O Brasil fica órfão de um de seus gênios do Cartum.


Com tremendo susto e muito pesar que recebi a notícia do assassinato de Glauco Villas Boas, em uma notinha curta de última hora no fim do Bom dia Brasil.
Glauco foi um dos melhores cartunistas do país, pai de personagens como Geraldão, Casal Neuras, Zé do Apocalipse, Doy Jorge e a Dona Marta.
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Não só seus personagens ficaram órfãos, mas todos nós que acompanhamos e fomos cativados por seus personagens mais reais do que excêntricos. Junto com Angeli e Laerte (amigos e também gênios o Cartum nacional), criou Los Três Amigos, cujas aventuras de Laertón, Glauquito e Angel Villa nada mais eram do que os escracho acumulados dos próprios autores (com o passar dos anos o personagem Adón, homenagem ao amigo cartunistas Adão Iturrusgarai, foi adicionado ao trio, mantendo-se o nome da tira).
Para quem pegou o fim dos anos oitenta e início dos noventa e teve a oportunidade de ler revistas como Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e Geraldão, com certeza sabe que o assassinato de Glauco foi mais do que a morte de mais um, um número entre milhares de números nas estatísticas, e com certeza mereceria mais do que uma nota no final de um telejornal matinal.

Glauco foi vítima de um assalto em sua casa, ele descansava com a mulher (Beatriz Galvão) e os filhos em casa, quando foi invadida por dois homens armados. Ele conseguiu negociar a saída junto com os assaltantes, deixando mulher e filhos em casa. Quando saia, seu filho Raoni (25 anos) chegou, houve discussão e pai e filho foram assassinados. Glauco foi alvejado por quatro tiros à queima roupa, ambos morreram a caminho do hospital.
Ninguém foi preso até o momento.

Fonte: Folha Online e uol notícias

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Los Três Amigos: Angeli, Glauco e Laerte








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