segunda-feira, junho 16, 2008

Café - Segundo conto do arco "Histórias para dormir"


Stuart tomava uma xícara de café ao lado de Sara, ambos sentados na pequena mesa da cozinha do velho apartamento que conseguiram comprar juntando a pouca grana que tinham.

Geladeira enferrujada nas bordas, um pano de prato quadriculado e colorido cobrindo os copos recém lavados do almoço. Lotados de contas de água luz e telefone, que se acumulavam durante o mês, eles bebiam café.

Contas e mais contas para fazer, a matemática da vida incluía muito mais do que eles dois, indo do condomínio do apartamento, das numerosas contas até a meia entrada que pagavam, quando iam no velho cinema que passava os filmes franceses que adoravam, por terem amizade com a bilheteira que os conhecia desde antes de casarem.

E entre somas, divisões, multiplicações e diminuições da renda que tinham, eles não conseguiam disfarçar o sorriso. Nunca pensaram estar passando por uma situação dessas, surpreendendo-se principalmente por não estarem arrancando os cabelos e discutindo por causa dos gastos.

Eles estavam amando tudo isso.

Stuart com a barba por fazer e Sara com um lenço cobrindo os cabelos, mais pareciam aqueles casais dos enlatados da TV americana de décadas passadas. Mas o fato é que nada se resolveria com uma mexida de nariz, nem cruzando os braços e acenando com a cabeça.

- É o preço da liberdade – dizia Sara. E ambos caiam na risada, o céu era plúmbeo e o cheiro do café se espalhava pelos pequenos cômodos da casa. Subia um cheiro de terra molhada dos primeiros pingos grossos das nuvens de chumbo.

E eles riam. O riso deixava o coração quente. Marcas de café o pano da mesa.

Logo estavam indo de mãos dadas para o quarto, as contas iriam ficar pra depois. Estavam interessados em outra matemática, uma matemática de seus risos, de seus beijos, de seus corpos. De seus sonhos.

A chuva entrava pela janela no fim daquela tarde, molhando os papeis sobre a mesa e o cheiro de café se tornava cada vez mais forte.














Trilha sonora:


quarta-feira, junho 11, 2008

S & B - Primeiro conto do arco "Histórias para dormir"

Sebastian estava envolto nos livros da faculdade naquela tarde quente do campus, enquanto escutava Smiths baixinho em seu walkman. Sentado em baixo de uma enorme árvore que fazia sombra para mais 5 pessoas, dois casais e um rapaz que ensaiava alguns cochilos na grama, mal percebia seu telefone tocar. Quando seu deu conta, quase derrubou os óculos ao tentar atender o telefone.
- Alô?! Belle? Somente mais uma tentativa de vender produtos e serviços dos quais não mais precisava. Belle nunca ligaria para ele uma hora daquelas. Sebastian imaginava o que a maluca da Belle estaria fazendo. Talvez passeando com o Stuart e a Sara. Ela gostava muito deles. Stuart sem emprego, Sara dando um duro para dar contas das coisas e ele tentando se virar com a faculdade e a pouca grana que conseguia como professor auxiliar.
- Quem éramos nós anos atrás? – Pensava enquanto se lembrava dos longos anos que percorreu até chegar aquele momento.
- Nunca imaginei Sara e Stuart casados, dividindo as contas, muito menos bater de frente com a maluca da Belle. Sebastian voltava a ajeitar seus óculos redondos tentando se concentrar na leitura. O sono chegava junto com as brisas quentes da tarde, e ele já sentia dificuldade em ler Foucaut, mal conseguia pensar nos restantes dos livros que tinha para ler ou os que lia para se distrair antes de pegar no sono as três horas da manhã. O sono chegava, e ele mal conseguia resistir.
O sono havia chegado para Belle a muito mais tempo. Do outro lado da cidade ela dormia profundamente, movendo-se lentamente, agarrada a um snoopy de pelúcia que havia recebido de Sebastian tempos atrás. Seu primeiro sono tranqüilo em semanas. O quarto abafado cheirava a suor, ela suava e dormia profundamente, e as pílulas tomavam conta do chão do quarto, espalhando-se ao redor do frasco caído de sua mão.
Sebastian, recostado a árvore de tronco grosso e galhos levemente retorcidos, ensaiava um sono superficial, lá ele caminhava por um corredor, o mesmo corredor que ela percorria em seu sono pesado. Passaram um pelo outro. Como meros estranhos seus caminhos se cruzaram, sem se perceberem, sem se olharem. Seu sono era superficial e Morrissey não parava de cantar, por isso não a vira. Após perdê-lo de vista ela o pôde reconhecer, mas não podia fazer nada, afinal as pílulas eram para isso, para não fazer nada.
Segundos após seu breve cochilo, Sebastian já juntava os livros espalhados ao seu redor. A hora de estudar já havia passado e logo iria dar as aulas da tarde, não podia se dar ao luxo de chegar atrasado, pois contava com o dinheiro todo o mês. Belle ainda dormia, e dormiria por muito mais tempo na tarde que ser tornara abafada em seu quarto, respirando profundamente e ensopando o lençol de suor. Ele apertava os livros contra o peito ao percorrer os corredores do imenso prédio que dava aulas, com a leve impressão de algo.
Seu peito batia forte e ele tentava respirar profundamente olhando a luz que se infiltrava pelas colunas romanas do corredor, enquanto ela apertava o cão encardido contra si, travando uma enorme batalha para sair daquela tranqüilidade. De vez em quando podia acordar brevemente, como quem se afoga e consegue por a cabeça pra fora da água por alguns instantes.
Do seu quarto não se ouvia quase nada, a não ser o ranger da cama e as poucas palavras que mal conseguiam chegar ao corredor.
–Era uma vez... era uma vez...

sexta-feira, junho 06, 2008

Pontos finais

Tenho tido dificuldade de escrever por ter tanto a dizer...
Antigamente eu escrevia algumas histórias sobre Sebastian, as quais eu mantinha guardada junto com os esboços de meus desenhos dentro de um portfólio de plástico.
Com seus óculos de aros grossos e cabelos desgrenhados pelo vento ele apareceu enquanto eu descansava em baixo de uma árvore em frente ao pequeno lago dos patos. Continuava o mesmo de anos atrás. Nunca mais tinha escrito a seu respeito e nos últimos anos mal havia escrito a respeito de Sara, Stuart, Chris ou Isobel.
Enquanto ele ficava parado e calado, deixando o som das pessoas que transitavam no pequeno passeio de pedras que se estendia sobre a grama que cobria as bordas do lago tomar conta do ambiente, eu me lembrei de que nunca havia terminado um de seus contos... Nunca havia escrito sobre o que acontecera com Belle e seus calmantes... e me senti culpado.
Sempre me sinto culpado, mesmo quando não há de quê sentir culpa, como se de repente eu fosse o próprio Josef K. admitindo que há culpas das quais não conhecemos e as quais estamos submetidos. Minha culpa é gerada e geradora de um círculo vicioso que alternas entre as estações do ano e os períodos de chuva...
Talvez seja o momento de por pontos finais nas coisas, já usei por muito tempo o recursos das reticências.
No fim daquela tarde acabei prometendo a Sebastian que acharia os manuscritos e que tentaria por um ponto final, qualquer que seja o final, à sua história.
Vasculhar manuscritos não é uma coisa fácil, tanto que ainda não tentei, as vezes temos que revirar o quarto, os livros e as estantes. No momento procuro revirar meu momento antes de partir para o dos outros.
O exercício da escrita sempre começou por mim e a respeito de mim, mesmo que tratando a mim enquanto outro que não eu.

Tenho uma história pra contar. Uma história como outra qualquer e enfadonha como outra qualquer.
Essa é a história de Sebastian, Stuart, Sara, Chris, Belle e muitos outros como nós...
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