domingo, agosto 18, 2013

Fotos





Ah, querida! Na fotografia, não é pra mim que tu sorris. Como também não é o teu nome em minha tatuagem.
Da mesma forma que não é nosso o mundo e que, de comum entre nós, só os desencontros parecem ser as únicas constantes a nos unir.
Na antiga fotografia do baú de carvalho está toda a família, fotografias em preto e branco e de colorido desbotado, com dedicatórias antigas aos tios e padrinhos. Recortes de nostalgias não vividas pelas gerações seguintes aos sarais, bailes e matinês.
Termino por jogar as fotos nem tão recentes junto com as demais, como se pudesse a alegria, a calma e o calor vazar, por osmose, de uma felicidade túrgida, para uma cena árida.
Lembro de uma foto tirada quando estávamos todos juntos, felizes. Sorriamos para o que imaginávamos sermos nós no futuro a olhar nossos sorrisos.
Hoje os sorrisos ficam no escuro da arca, esperando serem redescobertos pelos escafandristas à explorarem nossa cidade submersa.

sexta-feira, agosto 02, 2013

Haiti





Passeio pelas ruas do Leblon e olho de longe a movimentação e o barulho de carne gritando dos dois lados, entre bombas dos dois lados, me afastando quando o cheiro do gás começa a chegar. Então começo a lembrar.

Eu cai e estendi os braços, aos quais foram retribuídos por outros braços em um abraço, e fechei os olhos sentindo o cheiro de lavanda e de mãe. E dormi como quem dorme cansado em braços quentes depois de se machucar. Chove e fumo o último cigarro da carteira, olhando a fumaça assumindo diversas formas levadas pelo vento lateral e húmido. 

Quando garoto, sonhei com aquela menina da 5ª série, que estava de vestido branco e abria a porta do armário da sala de sua casa e me chamava para entrar junto com ela. Mas ela estava morta, eu mesmo tinha ido ao velório na sua casa e vi os chumaços de algodão em seu nariz e, de repente, me peguei pensado como devia ser difícil respirar com eles. 

Ouço um barulho mais perto de bombas e gritos. Então eu penso no Haiti, rezo pelo Haiti. No chão um panfleto xerocado com a foto de um homem negro, mulato, me olhando fixamente. Uma frase perguntando onde ele estava. Tento olhar a cor da minha pele na pouca iluminação. 

Eu não sei onde estou agora. Estou andando por ruas de paralelepípedos molhados com rastros de bondes, passando pelos sobrados abandonados de Pernambuco. Está chovendo, mas eu não estou com frio. Chove e eu estou suando. Estou com sede.

Ando com sede, olhando as cores do caminito, sem dar muita atenção, na verdade, pra quem quer que esteja nas casas e lojas. Me fodendo pra quantos pesos trocados eu ainda tenho nos bolsos. Sinto-me um Caim de Saramago, andando com um pedaço de papel entre os dedos pensando no Haiti, rezando pelo Haiti.

Olho ao redor e as pessoas têm os olhos do Amarildo, todas elas. Até quando fecho os meus próprios. Olho a cor da minha pele em tons de preto e branco xerocado e sujo. Eu ainda não sei onde estou. Não moro em meu próprio corpo. Não nos sobra muito mais que nada no final.

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