sexta-feira, agosto 29, 2014

Contos Argentinos - Antropologia


Ando pelas ruas frias do Soho. Encontrei um brasileiro perdido, com o mapa de Palermo hollywood. As vezes parece que tem mais brasileiros do que argentinos na Argentina. 
Uma idéia me passa pela cabeça: de que somos invisíveis aos portenhos. As moças belas passam ignorando os olhares estrangeiros, idosos caminham impecavelmente bem-vestidos, casais de todas as idades fazem suas caminhadas e deitam-se na grama, à procura de sol. Só os cachorros é que acabam por nos dirigir alguma atenção, atrás de um afago, um carinho dessas pessoas extremamente perfumadas, encapotadas e necessitadas de atenção.
Faço minhas coisas, escuto uma velha música pelo fone, enquanto me perco por entre a  multidão de leitores do metrô. Estoy solo con mis libros, entre las personas solas con sus libros - arranho um pensamento castelhano.
Faço o caminho de casa e olho os outros, como um antropólogo que estuda culturas estrangeiras para entender a si. Procuro por olhares que retribuam os meus, sem sucesso. 
Volto a pé pelos jardins de Palermo, tentando me aquecer do frio, mais interessado pelos cachorros do que pelos humanos. 

quarta-feira, agosto 06, 2014

Contos Argentinos - Quartos de hotel



Discorro a cortina do quarto e olho o grande painel néon, que brilha matizes de azul e vermelho. É madrugada e não consigo deixar de pensar nos quartos de hotéis. Das pessoas dos quartos de hotéis.
Tudo muito prático. Cobertas brancas e banheiros impecavelmente limpos, na maioria das vezes, para não deixar rastro de atividades humanas nos quartos de hotéis. Volto de um passeio longo pelas ruas de Palermo e não encontro meus próprios rastros, quando retorno. Como se fosse um aviso silencioso dizendo que não sou bem-vindo, como se o quarto de hotel dissesse, o tempo todo, que você será o próximo a ser esquecido.
Fiquei horas olhando uma jovem despir-se e trocar de roupas em frente ao espelho várias vezes na última noite. Como também vi relances de uma discussão de um casal, no silêncio do quarto de hotel, na qual ela chorava e tentava abraçá-lo. Via assinaturas em batom no espelho do banheiro, que mudavam e se apagavam. Pessoas que faziam amor no banheiro do quarto de hotel, que logo seria desinfetado e serviria de palco para as outras encenações de peça.
A luz néon continua a brilhar em suas matizes de cores vermelhas e azuis, e eu penso em inferninhos. Já não sei se estou realmente no quarto de hotel ou se sou mais um mero resto fugaz de mais uma história de quatro paredes, alheio aos espectadores que, a cada nova mudança, acompanham a repetição interminável de mais e mais restos de histórias, como fantasmas de pessoas vivas, esquecidas, dos quartos de hotel.
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