quinta-feira, dezembro 25, 2014

As árvores




Naquela ilha, muitos anos atrás já esquecidos, era comum que os anciões, ao final da vida virassem árvores. Eventualmente davam frutos, ou pinhos secos. A espécie variava de acordo com o local onde fincavam raízes.
As árvores já eram velhas quando ele, menino, corria por entre seus pares, na antiga praça das mangueiras, onde os trabalhadores se reuniam para fazer greves ao final da ditadura.
O velho coreto, esquecido dos antigos festivais da praça, erguia-se deslocado da multidão.
Seus irmãos e ele perdiam a conta das vezes que correram e sentaram à sombra das árvores antigas. Esteve sempre correndo.  Tanto que estranhou quando passara a se perceber lento.
Passou a apresentar certa fixação nas árvores, e por vezes era visto falando que as árvores da praça das mangueiras sabiam a maioria dos segredos da ilha.
Tal foi a surpresa quando, ao lembrarem de que não o viam a quase um mês, se depararam com a casa abandonada de portas abertas, ao final do último bairro da ilha.
Muitos dos moradores ainda sentiam os olhos dos fantasmas recentes dos anos de chumbo, e um ou outro sumir havia se tornado algo quase comum. Sabiam que ele havia sido levado, não tinham dúvidas disso. Era um homem excêntrico, nos últimos anos.
Nem deram muita importância para os papéis esquecidos pelos cômodos da casa,  segredos e desenhos guardados de anos de observações. Tudo fôra para o lixo.
O que aterrorizava os demais era ver suas roupas em trapos rasgados, penduradas aos galhos de uma árvore ignorada, no meio do quintal da casa abandonada.
Não sobrara muito do velho terreno, a não ser a casa em escombros e uma velha árvore sem frutos a erguer-se em direção ao sol.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Quem procura...