quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Supermercado, idosos e pássaros



Sete horas da manhã. Chinelos sendo arrastados pelos setores de hortifruti, empurrando o carrinho de compras, quase sem nada, tão leve.

Ah que a alma tivesse o peso do carrinho.

Lista na mão, o sono mal terminado na cabeça e milhões de bocejos. Hora de escolher as frutas.

O fato é que não sei escolher frutas, mas escolho mesmo assim, e quase nunca pego alguma, ou verde demais ou podre demais. As vezes presto mais atenção às pessoas que cruzam os corredores das cebolas com as beterrabas, ou aos que estacionam os carrinhos em fila dupla na avenida das hortaliças.

E eis que ele aparece. Danado do passarinho minúsculo, marrom, do tamanho do meu polegar, a olhar de um lado para o outro com pequenos trinados.

Por um milésimo de segundo, cheguei a ponderar sobre a falta de higiene e outras coisas incômodas, que pensaria uma pessoa rabugenta numa manhã de sábado no meio do supermercado, que a presença do passarinho trazia. Pelo menos até o segundo milésimo trazer a tona aquela figura, de um metro e meio, de trás de uma pirâmide de tomates.

Estava do lado do passarinho, olhando para os lados também procurando testemunhas de seu encontro com o pequenino. Sorriu. Seu rosto, já enrugado, dobrou-se por suas dobras. Parecia um menino. Surpreso com o encontro, como se houvesse encontrado amigo e outra época.

“Safado, veio fazer feira aqui também!”, parecia sair um balãozinho de sua cabeça.

Eu assistia calado, como em outra cena, a ver encontro tão inusitado. Acho que eu sorria também, não sei, afinal não fazia parte desse circulo de amizade. O papo deles parecia bom. Bons amigos botando a conversa em dia, quanta coisa para conversar.

Três segundos depois cada um rumava para o seu lado, inclusive eu aos bocejos. Acho que sorria também, não sei.

“Vou escrever sobre isso”, pensava eu, rumo às laranjas. Empurrando o carrinho cantarolava baixinho:

“... a ordem das árvores não altera o passarinho... tchu, tchu...”

Acho que sorria... sim sim, sorria.

Um comentário:

Silvinha disse...

Que cena linda! Adorei!
Incrível como os animais são capazes de mobilizar emoções.

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