terça-feira, janeiro 03, 2012

A menina e a mariposa*


Arquivo pessoal



Ela continua com medo de mariposas... mariposas enormes e apavorantes... talvez as mesmas mariposas que a perseguiam quando criança... mariposas que entram pela janela do seu quarto.
Ela ri ao contar isso... já não é a menina que corria das mariposas...
As mariposas, hoje, assumem outras formas...
Trovões, trovões... nenhuma chuva vem... isso é normal? Os trovões não me metem tanto medo assim... mais medo dão as expectativas que ela tem.
E nessa brincadeira de seguir em frente, ela encontra suas mariposas... quando sai o resultado do vestibular?... e nesse carnaval?... fantasia-se de pierrot ou arlequim?
Bobagens, isso é só parar rir. Imagine-a fantasiada, com certeza seria engraçado, engraçado como seus trocadilhos e sarcasmos difíceis de entender, que ela, vez por outra, tem de explicar e acaba por ficar mais engraçado do que se fosse entendido.
Uma pílulazinha aqui pra melhorar o humor, outra ali para que seu corpo funcione direitinho... lamenta-se por não poder doar sangue e disserta uma breve aula sobre fatores Rh e eritroblastoses fetais... quem não se divertiria com essa pequena aula de biologia?
Ela o encontra, fala com ele, sobre ele, diz o que sente para ele... e aos poucos vai percebendo que harmonia não consiste em uma estabilidade imutável, mas sim numa instabilidade que se auto-organiza... e ela aprende mais sobre si e sobre ele... porque tudo o que ela passa serve de aprendizado, embora, algumas vezes, ela não perceba.
Aprendizado para o futuro. Para no futuro voltar a ver e dizer o que sente ao primeiro homem que a beijou e lhe pegou nos braços... para, no futuro, lembrar das mariposas que entravam pela sua janela. Mas, por enquanto, ainda é futuro.
No presente ela toma café com sua mãe otimista, que leva a vida entre bombardeios de filosofias e assuntos vestibulares... conversando com ela e vivendo pequenos momentos ao lado dela, que vez por outra, esquece como é especial. O cotidiano nos prega essas peças mesmo.
Ela me contou uma vez que tinha medo de mariposas, e eu ria.
Uma das últimas mariposas que a perseguiu estava tentando tomar suas palavras, e ela tinha medo de não poder escrever mais. Mas mariposas não podem roubar palavras. Talvez ela tenha roubado um pouco de sua visão, agora que olhava as palavras que escrevia e que não mais gostava. Mas os olhos que se deve usar nesse caso são outros...
Ela, talvez, tenha cobranças demais, por parte dela, por parte dos outros. Vi num documentário que as mariposas sentem o cheiro das cobranças, porém no mesmo documentário falava das compreensões das mariposas. Dizem que as mais assustadoras são as mais compreensíveis.
Que surpresa seria quando a mariposa novamente entrasse pela janela do seu quarto e ela dissesse: “Você me mata de medo mariposa! Por que você faz isso?” e a mariposa retrucasse: “Me desculpe. Eu não sabia que você se sentia assim. Na verdade você nunca tinha dito nada, só saía correndo quando eu a encontrava”.
“Então você não vai me fazer mal?”.
“Não, de forma alguma. Nunca foi minha intenção”.
Que surpresa seria encontrá-la na cozinha, tomando café e conversando.
E, ao final da conversa, a mariposa a perguntar se poderia visitá-la novamente, enquanto ela, meio receosa: “Tudo bem... só avisa antes da próxima vez, ta? Ah, sim! E pode usar a porta da frente”.

*Texto de 2006, publicado no antigo Tardes Quentes de Outono

Um comentário:

Rachel disse...

Será que você vai ler esse comentário?

Por algum motivo eu precisava ler esse texto! E ainda bem que a internet nos permite isso. Encontrei o seu blog, pesquisei por "mariposa" e aqui está!

Foi muito bom ler ele novamente! E olha só, eu ainda tenho medo de mariposa. Mas finalmente aos 30 anos eu estou conseguindo entender algumas coisas...

Saudades e, mais uma vez, obrigada!

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