domingo, junho 01, 2014

Pequenas vaidades





Olhava meu esmalte gasto. Um vermelho que ia da base e se quebrava antes de chegar às pontas das unhas. De certa forma me dava um prazer clandestino olhar para eles.
Eu, que não era dada às grandes vaidades, me agarrava às pequenas com um afinco de quem se segura ao colete salva-vidas. Livros e unhas pintadas. Minhas vaidades e prazeres desnudos, para a todos chocar.
Ficava linda para mim, desejava-me, paquerava-me sem me dar atenção nos cafés. Olhava a mim mesma, linda, passando as páginas do livro com as unhas impecavelmente lindas. Os olhos a fitarem por cima do livro, que me cobria parte do rosto como um véu a esconder os lábios vermelhos, para o nada à procura de ninguém.
Terminava meus livros, quebrava meus esmaltes, descascando-os das unhas.
Minhas pequenas vaidades, das quais me despia em casa, ficando nua das cores e das palavras. Em casa não havia necessidade para elas, porque a vaidade pede os olhos alheios, o desejo do outro. Guardava-me desses desejos sem avareza. Que os olhos se contentassem com o que eu quisesse lhes dar de mim, eu era única e exclusivamente minha.
Saia do banho e perfumava a nuca e os pulsos, só para cair na poltrona e adormecer com o livro em fim acabado, contra meus seios, sob as unhas nuas, me deixando à deriva de mim-mesma, sem coordenadas, esmaltes, livros e olhares.

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