segunda-feira, abril 12, 2010

Clarisse


Clarisse olhava as hélices do ventilador do teto, lento. Já não fazia idéia se era mais um sonho ou se estava acordada.

Sua mente estava vazia, como um saco vazio cheio de ar esticando-o, seu corpo pesava naquela cama de lençóis baratos, cujo colchão afundava em seu meio. Havia acordado a mais de uma hora, o ardor em seus braços, que antes a mantinha desperta, agora nada mais era do que uma pequena lembrança de noites primevas. De vez em quando podia acreditar escutar uma versão do rádio de Mother Goose, do Tull.

Clarisse não iria levantar, mesmo ao ouvir o barulho de Cecília ao expurgar o resto de toda a noite passada no vaso sanitário do banheiro branco. Cecília havia sido honesta com ela, nunca lhe prometera nada e sempre havia deixado claro que redenção era algo que não encontraria com ela. Clarisse a olhava vir, nua, com os braços brancos, tão cheios de marcas, mas continuava linda ao descerem as gotas de suor sobre se corpo, que caminhava vacilante em direção à cama.

Colado à janela uma velha capa de Ziggy Stardust, a pequena tv ao lado da radiola, seus pôsteres, seus livros, seus cansaços se espalhavam pelo resto do ambiente. Ouvia Cecília chorar baixo contra o travesseiro enquanto olhava a hélice do ventilador girar cada vez mais lenta. O cheiro dela era uma mistura de suor e canela, seria bem mais doce, não fosse o cheiro que a lembrava do gosto metálico de sangue de seus pequenos furos em seu corpo. Seu choramingar ao travesseiro era doce, uma música distante que ecoava dentro da cabeça de Clarisse.

Não iria dizer nada para Cecília, o silêncio sempre fora suas conversas mais íntimas. Não iria humilhá-la dizendo algo. O olhar ainda para o teto, parado no tempo, regente das lágrimas que também eram suas. Cecília cheirava a canela, estava cansada, mal conseguia manter os olhos abertos. Seu toque era suave. Cecília abraçava-a levemente fazendo com que suas pernas pesassem sobre as de Clarisse, enquanto sua cabeça se acomodava próxima ao seu rosto, sentindo o cheiro de seus cabelos. Quase apagando.
- Humm.. você está tão fria Clarisse.

2 comentários:

Juh S. disse...

o demonio era o homem interior sem os arreios socias? ou ele tentando se libertar desse mundo de trajes sob medida?
um brinde à verdade acima de tudo :)

Eduardo disse...

Na verdade ainda não sei o que ele é. Ainda vai demorar pra eu entender esse sonho =P.

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