quarta-feira, abril 17, 2013

Feito pra acabar


Leio o livro ao sacolejar do ônibus. O calor escaldante de ventos quentes a entrar pela janela do ônibus, suado.
Desço para aguardar outro ônibus, livro na mão. O suor a escorrer na testa, gotas grossas a deixar os cabelos levemente úmidos, logo secos pelo vento da avenida.
Entreguei meus pontos, me sinto um derrotado, parado no calor do Recife, de mochila e livro na mão a esperar o próximo ônibus. Sinto-me novamente um estrangeiro. Sozinho.
Sozinho pego o próximo ônibus, volto a folhear o livro, fantasiando as mais diversas situações do meu cotidiano, como herói e vilão das coisas que me são alheias, as quais o tempo se encarrega de levar embora à revelia dos meus desejos. Passo pelas pontes, olho o rio escoltado pelas árvores de mangue. Que calor, um pingo de suor cai da testa na lente interna dos meus óculos de aros redondos e nem me dou ao trabalho de enxugar. Leio mesmo assim.
Orgulhoso e derrotado, personagem do meu próprio cotidiano sentado à última cadeira do ônibus vazio, com sede. Respiro e encontro a mim mesmo em um relance da Lavoura Arcaica, me animo, em um ânimo triste de meio de tarde, um ânimo de quem vislumbra rápido que todos nós somos feitos pra acabar.
Desço em minha parada, encontro com as três parcas no cruzamento da cidade universitária, aceno pra elas com a cabeça e caminho pra casa. Caminho para subir os degraus do prédio, com uma leve quebra de calor pela umidade das paredes.
Olho a água cair gelada no copo de vidro, o cheiro da água gelada a afastar toda a aridez da tarde. Ela doce a descer esfriando minha garganta enquanto sinto o suor escorrer pela minha nuca, dos meus cabelos pesados e úmidos até o colarinho branco da camisa.
Olhando meu mundo particular, minha casa, minha acolhida, agradeço. Por todas as escolhas erradas que fiz, por todo o mal que, dependente ou independente de mim, me afligiu ou afligirá. Por que, de todo, o saldo tem sido bom, e eu tive a oportunidade de fazer coisas boas, e mesmo disso a gente é feito pra acabar, um dia.

4 comentários:

Lúcia disse...

Muito talento, adorei!

Eduardo disse...

Ahhh maninha... Que surpresa te encontrar por aqui.
Fiquei feliz =]

Luana Andrade disse...

Descrições cálidas, metáforas que delineiam seu tráfego e rompante literato. Belo, estimado Tempestade. É como similitude, leio entrementes sacolejos de um ônibus a caminho da faculdade, porém, como díspar, está frio e meus dedos enregelam. Abraço cardíaco.

Eduardo disse...

Olá Luana! É sempre um prazer suas observações. Espero que tenha melhorado do frio.
Abração =]

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